ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

23/Set/2022

Brasil: impacto do juro alto no setor do agronegócio

A manutenção da Selic em dois dígitos ao longo de 2023 tende a afetar mais cadeias agrícolas focadas ao abastecimento interno. Há consenso de que tanto os custos de produção (fertilizantes, defensivos, sementes, energia etc.) como as taxas de juros elevadas pesam para todos os produtores, mas exportadores tendem a ser menos prejudicados. Os produtores focados no exterior obtêm maior rentabilidade com as cotações de commodities agrícolas no mercado internacional e o câmbio, que eleva o valor recebido em Real quando o dólar se fortalece ante a moeda brasileira. Já produtores de verduras, legumes e frutas, dependentes da demanda local, podem vir a reduzir a produção, o que se refletiria em altas de preços e da inflação medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Para este ano, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) está prevendo uma melhora no consumo das famílias porque houve uma redução da taxa de desemprego e a renda está subindo.

No entanto, se a renda do consumidor não continuar dando sustentação aos preços, o produtor rural pode se sentir tentado a reduzir a área de plantio de produtos voltados ao mercado doméstico, principalmente hortifrútis. É grande a importância desses produtos na cesta do IPCA. Se os produtores reduzirem a área plantada, tende a ter menos produção, os preços sobem e pressionam mais a inflação. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central manteve ontem a Selic em 13,75% ao ano, encerrando o mais longo ciclo de alta de juros de sua história. A decisão, já esperada pelo mercado, não foi unânime. Foram sete votos a favor da manutenção contra dois por uma alta residual de 0,25%. A taxa já é a maior desde o período de dezembro de 2016 a janeiro de 2017. Foram 12 altas consecutivas desde março de 2021, quando a Selic estava na mínima histórica de 2% ao ano, devidos aos impactos drásticos da pandemia de Covid-19. Antes mesmo da divulgação do Copom, a CNA já trabalhava com um cenário de Selic a 13,75% no fim deste ano, considerando uma queda na inflação dos preços administrados pelo governo, como combustível e gás de cozinha.

Para o fim de 2023, com melhora do quadro econômico, a CNA prevê uma Selic perto de 12% ao ano. A consultoria MB Agro trabalha com uma Selic média de 12,9% ao ano em 2023. O Bradesco também considera uma Selic média em 2023 próxima de 12% ao ano, um pouco abaixo da de 2022. Com a perspectiva de uma Selic em dois dígitos no ano que vem, a MB Agro também enxerga maior probabilidade de produtores focados no mercado interno sentirem mais a alta dos custos atrelada a financiamentos com taxas de dois dígitos e insumos mais caros. Teoricamente, há um efeito menor para produtos que vão para o mercado externo. Normalmente, quando há uma alta dos insumos, o mercado interno sente mais porque não se beneficia das altas externas dos preços das commodities nem do câmbio (quando o dólar se valoriza ante o Real). Mas não necessariamente um produto do mercado interno terá rentabilidade ruim. Pode haver boa rentabilidade se estiver faltando, por exemplo.

Especialistas descartam um recuo da oferta de outros itens essenciais da dieta do brasileiro, como feijão e arroz, em decorrência das taxas de juros. O arroz conta com um mercado internacional aquecido e a produção de feijão é mais influenciada por outros fatores, como o clima, do que o custo. A oferta de arroz em 2023 também é favorecida, no momento, por chuvas em regiões produtoras do Rio Grande do Sul, que podem viabilizar uma safra cheia do grão. Mesmo os produtores de trigo, fundamental para a produção de pães, massas e biscoitos, também têm no mercado internacional suporte para os preços, em momento de guerra na Ucrânia e perspectiva de menor produção no país no ano que vem. Parte dos produtores rurais deve procurar pacotes tecnológicos (sementes, fertilizantes e agroquímicos) mais baratos para a safra 2023/2024, que começará a ser plantada em setembro do ano que vem. Isso pode acontecer nas produções de soja, milho, trigo, arroz e feijão, e reduzir a produtividade das lavouras, mas condições climáticas devem ser determinantes para o rendimento.

Ainda não dá para pensar em perda de produtividade média por causa disso, tem de aguardar o clima. Às vezes o produtor usa um pacote de tecnologia mais barato, mas vem um clima bom e traz uma produtividade maior. Usinas de etanol e produtores de algodão, geralmente de maior porte e mais capitalizados, tendem a manter os investimentos nas lavouras. A manutenção da Selic em dois dígitos também deve mexer com a disposição de produtores em contratar linhas de financiamento de longo prazo, para investimentos em máquinas agrícolas, silos e sistemas de irrigação, importantes para elevar a produtividade nas lavouras e, no caso dos silos, permitir que produtores vendam a produção em momentos de preços mais elevados. Em 2023, os produtores estarão trabalhando com rentabilidade menor, tendo em vista o aumento dos custos de produção e das taxas, ainda que com preços de commodities elevados.

Se persistir a situação atual, provavelmente haverá uma redução nos investimentos. Normalmente os de mais longo prazo, como em silos, são os primeiros a sentir o efeito; depois vêm máquinas. Os insumos sentem menos. Em 2022, não. Por incrível que pareça, ainda se observa uma quantidade elevada de vendas de máquinas, se comparado com o ano passado. Os preços internacionais de commodities agrícolas, em patamares elevados, devem continuar garantindo a renda e a demanda de produtores exportadores por máquinas agrícolas. Mas, alguns que não se beneficiam dos preços mais altos devem se retrair. A partir de meados do primeiro semestre de 2023, quando começam a ocorrer feiras agrícolas com vendas de equipamentos para a safra 202320/24, que começa em julho, pode haver uma desaceleração pela procura de maquinário. O Bradesco pondera que os grandes produtores, os que mais recorrem a linhas de mercado de longo prazo, já estão assimilando as taxas atuais, mais altas que as de um ano atrás, e que não são esperadas alterações significativas de taxas em 2023.

Os grandes produtores estão absorvendo bem taxas de 12% a 15% ao ano para custeio e investimentos. A Selic média de 2023 pode ficar mais próxima de 12%, ainda num patamar de dois dígitos, então a realidade de financiamento vai ficar muito próxima da que estamos vendo no momento. Não haverá muita diferença de taxas entre o segundo semestre de 2022 e o primeiro de 2023, quando ocorre o financiamento de insumos para safra de inverno (do ano que vem). Aí, o Plano Safra 2023/2024 deve vir com taxas em patamares muito semelhantes ou um pouco abaixo das atuais, mas será uma realidade na qual o produtor terá acomodado o retorno que quer com os insumos e financiamento que precisa. Mesmo com a perspectiva de taxas de juros de dois dígitos, o cenário para o agronegócio brasileiro segue positivo no próximo ano. As feiras agrícolas estão em plena atividade, não tem cenário de piora de preços e a safra norte-americana está mais prejudicada. Então, há sustentação de preços pela frente.

O principal driver de crescimento da produção agrícola é o retorno que a atividade dá, não a taxa de juros que financia o setor. A CNA lembra de outro efeito que a manutenção de uma Selic de dois dígitos por mais tempo terá: a necessidade de um esforço prolongado do governo equalizando taxas de juros de linhas do Plano Safra com juros baixos e distantes da realidade do mercado. A equalização corresponde à diferença entre o custo de captação do dinheiro (boa parte associado à Selic) para os bancos e a remuneração esperada por eles, paga pelo Tesouro Nacional. Quando a taxa e custo de produção sobem, o governo tem uma “camisa de força” para ampliar a equalização. A CNA, o Instituto Pensar Agro e o Congresso têm trabalhado para que a oferta de recursos equalizados seja focada no pequeno e médio produtor e que os grandes produtores busquem os recursos no mercado financeiro.

Há os Fiagros (Fundos de Investimentos nas Cadeias Produtivas Agroindustriais), CPR (Cédula de Produto Rural), LCA (Letra de Crédito do Agronegócio) e outras fontes alternativas utilizadas pelos grandes produtores. Em fevereiro de 2022, o governo suspendeu contratações de financiamentos de diversas linhas do Plano Safra, pela falta de recursos para a equalização. Isso porque a alta da Selic a partir do primeiro trimestre de 2021 foi mais acentuada do que o esperado, exigindo do Tesouro mais recursos que os previstos. A CNA já vem alertando produtores rurais que o cenário de taxas de juros de dois dígitos deve persistir por mais um ou dois anos, o que exigirá alguns cuidados por parte do setor produtivo. O produtor de commodities que exporta tem um hegde natural e os preços internacionais estão bons, mas para os produtores focados no mercado interno, a orientação é priorizar o custeio, porque nos empréstimos de longo prazo vão se amarrar em taxas altas por cinco ou dez anos. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.