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04/Nov/2022

COP-27: migrantes climáticos são negligenciados

"Por 40 dias e 40 noites, uma tempestade bíblica caiu sobre nós", relatou o primeiro-ministro do Paquistão, Muhammad Shehbaz Sharif, na Assembleia-Geral da ONU deste ano. "Enquanto discursamos, milhões de migrantes climáticos continuam procurando terra firme". O discurso do premiê foi um vislumbre da temática que deverá ser levada pelos países afetados por seca, chuvas e inundações à COP-27: os enormes deslocamentos causados pelo clima. O tema, porém, não aparece na agenda oficial da conferência deste ano no Egito. O Banco Mundial projeta mais de 143 milhões de migrantes por razões climáticas em 2050, ativistas e pesquisadores, porém, alertam que esta migração já está acontecendo, é subnotificada e exige que os países desenvolvidos se comprometam a lidar financeiramente com a questão. Somente em 2021, mais de 23,7 milhões de pessoas precisaram migrar internamente por causas ambientais, segundo o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno, plataforma de dados mantida pelo Conselho Norueguês para Refugiados.

Esses dados, porém, são apenas estimativas, já que não há bases de dados oficiais dos países que compilem esses números. Além disso, as informações se limitam aos migrantes internos, ou seja, que se movem dentro do seu próprio país. Quando essas pessoas cruzam fronteiras, a situação fica ainda mais sensível, já que elas não se enquadram na definição de refugiadas e muitas vezes se tornam irregulares, ficando de fora das contagens oficiais e do direito de proteção. Segundo a organização Climate Refugee, é muito urgente lidar com esse tema porque hoje 90% dos refugiados vêm de países vulneráveis às mudanças climáticas e 70% dos países declarados frágeis são países vulneráveis a essas mudanças. A mudança climática está gerando deslocamento dentro e além das fronteiras, porém não há realmente uma base sobre o quanto. Ainda assim, o Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno faz as estimativas com base nos mais variados tipos de fontes e fornece uma figura geral desta migração.

Segundo os números, os migrantes por causas climáticas são maiores do que os deslocados por conflitos e situações de violência, casos que costumam chamar mais atenção internacional e se enquadram nas legislações para refugiados. Especialistas alertam que é difícil mensurar as causas exatas do êxodo climático, pois, diferentemente de conflitos ou perseguições, secas e outras situações climáticas lentas são difíceis de observar como diretamente ligadas ao motivo para uma pessoa migrar. Não à toa, as principais causas de deslocamento relacionado ao clima são fortes chuvas e inundações (11,5 milhões e 10,1 milhões respectivamente), acontecimentos mais imediatos. Ainda assim, o centro de monitoramento conseguiu contar mais de 240 mil deslocados por seca e mais de 20 mil por temperaturas extremas somente em 2021. Ainda não há dados compilados do ano de 2022, mas eventos como do Paquistão e a histórica onda de calor na Europa não traz um quadro positivo. A ONU afirmou em setembro que nunca viu um massacre climático como o do Paquistão.

Embora seja comum as chamadas chuvas de monções atingirem a Ásia na metade do ano, o volume e as forças das chuvas deste ano mataram mais de 1,3 mil pessoas e quase 500 mil foram levadas para abrigos após serem desalojadas. Segundo cientistas, eventos como esses, além de furacões, ciclones e outros tipos de tempestades que atingiram fortemente as Américas este ano, tendem a ser mais frequentes frente ao aumento da temperatura global. Segundo monitoramento do National Centers for Environmental Information dos Estados Unidos, desde os anos 1970 as temperaturas vêm crescendo, mas saltou a partir dos anos 2000, com 2016 batendo o ano recorde em 100 anos. O apelo feito pelo premiê do Paquistão na ONU foi repetido por outras nações atingidas por inundações este e outros anos, como Bangladesh, que considera que os países ricos e países desenvolvidos são os responsáveis. Esses países deveriam dar um passo à frente. Mas, não há muita resposta deles. Essa é a tragédia, desabafou Sheikh Hasina, primeira-ministra de Bangladesh antes da Assembleia Geral.

O que esses líderes e as organizações civis que vão a COP-27 este ano querem é que os países desenvolvidos assumam a culpa pelos eventos extremos em países do chamado sul global, e exigem que cumpram o envio de US$ 100 bilhões (R$ 530 bilhões) por ano aos países mais pobres definidos no Acordo de Paris. Segundo o South American Network for Environmental Migrations (Resama), o problema nas negociações é que se foca muito no migrante e se tem desfocado do ponto da Justiça Climática que é justamente apontar quem causou as mudanças ambientais e quem são as pessoas os principais países poluentes. Somente há pouco tempo, na COP de 2015, o tema da migração climática entrou no radar dentro das discussões de Perdas e Danos do Acordo de Paris, capítulo que determina que países poluentes "indenizem" os países afetados. O tema, porém, que avançou na COP-26, aparece na agenda provisória das discussões deste ano. Uma carta assinada por mais de 400 organizações e dirigida à ONU pede que as perdas e danos sejam prioridade nas discussões deste ano. Mas, as nações desenvolvidas concordaram em discutir este tema apenas em 2024.

O Acordo de Paris criou uma força-tarefa sobre deslocamento, mas não parece estar progredindo muito. Segundo o Conselho de Direitos Humanos da ONU, existem pressões políticas dentro desse grupo de países que de certa forma limita a discussão sobre esse assunto, e isso é um problema real. Enquanto isso, as nações mais afetadas, especialmente as da África Subsaariana, do sul da Ásia e da América Latina, continuam sem recursos para lidar com os danos dos eventos extremos. A estimativa do Banco Mundial de 143 milhões de deslocados até 2050 diz respeito apenas a essas três regiões. Segundo o relatório, que é de 2018, essa projeção pode ser reduzida em centenas de milhões se houver empenho em reduzir as emissões de gases de efeito estufa, mas a janela de oportunidade está se fechando. É necessário discutir o tema formalmente na COP-27, e não só na parte de perdas e danos. Mas, essa não é a realidade no momento. Deslocamentos e migrações não estão nem tecnicamente na agenda, mas a expectativa é de a COP-28 mude isso. Se por um lado o tema do deslocamento interno tem ganhado relevância, as informações e busca por soluções na migração climática entre fronteiras ainda é muito restrita.

Em junho de 2024, Ian Fry vai entregar seu relatório enquanto especialista independente à ONU e conta que está buscando formas de levar o assunto dos "refugiados climáticos" para a pauta. Essas pessoas não são definidas como refugiadas e, portanto, caem em um limbo no que diz respeito à proteção legal. A própria ONU desaconselha o uso do termo "refugiados" neste caso, já que o refúgio é dado apenas a quem é vítima de perseguição ou violência. O objetivo de Fry é chamar atenção para o risco disso. O especialista da ONU aponta que a migração climática entre fronteiras tem se mostrado uma questão crescente em países da América Central. Na América Latina essa é uma questão particularmente crítica, por causa do corredor seco em Honduras, Guatemala, Nicarágua, além de uma série de desastres que ocorreram na região com as pessoas tendo que cruzar fronteiras para escapar. A organização Climate Refugee tem esse nome como forma de provocação ao termo. O deslocamento não é só sobre o movimento de pessoas. É sobre pessoas abandonando suas comunidades. Isso leva a perdas econômicas e culturais. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.