07/Nov/2022
Pela primeira vez em seis anos, um país africano se prepara para receber a Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP-27, de 6 a 18 de novembro. As demandas do anfitrião Egito e demais nações do Sul Global, onde se concentram os países menos industrializados e os maiores impactos do aquecimento, terão de competir com questões ligadas ao cenário geopolítico, como a invasão russa à Ucrânia, a crise de energia e alimentos e a deterioração das relações entre China e Estados Unidos. A expectativa é que o financiamento climático continue no centro do debate, mas com melhor equilíbrio entre questões de adaptação e mitigação. Esta edição da conferência da ONU tem ainda como destaque a importância da biodiversidade, em especial das florestas, na solução da crise climática, além da questão da operacionalização do mercado global de crédito de carbono e da discussão de um sistema de perdas e danos, consequências das mudanças climáticas que vão além daquilo a que as pessoas podem adaptar-se.
Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), no ano passado, a conferência definiu o livro de regras do Acordo de Paris, um compromisso mundial sobre as alterações climáticas com metas para a redução da emissão de gases do efeito estufa. Foi um passo importante e muito aguardado. Agora, espera-se que haja foco na implementação dos compromissos que foram assumidos, uma vez que a estrutura já está posta. A gestora JGP não espera grandes anúncios na COP-27. Vai ser uma COP mais protocolar, no sentido de apresentar os resultados do que foi acordado em Glasgow (onde foi realizada a COP-26) e de preparar a COP de Dubai (no ano que vem). Mas, isso não diminui a importância. Uma conferência no meio do caminho é essencial para que se tenha um conjunto de lições aprendidas e repactuação de acordos que não foram bem-sucedidos.
Segundo o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), a agenda de implementação é o principal foco da COP-27 por parte dos países participantes. O Brasil tem muitos compromissos assumidos. Em Glasgow, firmou acordo para combate ao desmatamento com meta para 2028, redução da emissão do gás metano com meta para 2030, além da meta nacional para redução em 2030 e 'neutralidade climática' em 2050. Nos últimos 20 anos, a agenda mundial do clima foi organizada em cima desse compromisso de redução das emissões de gases de efeito estufa, ou mitigação. Por isso, e diante das recentes secas e ondas de calor recordes na América do Norte, Europa e Ásia e enchentes devastadoras no Paquistão, um avanço importante nesta 27ª edição seria a criação de uma política de adaptação. Ou seja, a definição de um conjunto de ações para lidar com os impactos que as mudanças climáticas já estão provocando, como investimento na infraestrutura.
Simultaneamente, seria primordial a construção de estruturas de financiamento às economias em desenvolvimento. A expectativa sobre garantia dos meios de implementação para promover mitigação e sobretudo adaptação climática nos países em desenvolvimento e assegurar que haverá recursos para reparação das perdas e danos climáticos que já estão sendo sofridos pelos países mais vulneráveis à mudança do clima são destacados no relatório da Iniciativa Empresarial em Clima, composta pelas organizações CEBDS, CDP, Instituto Ethos, FGVCes e Pacto Global da ONU no Brasil. O governo do Egito deverá usar de toda a sua diplomacia para buscar resultados concretos nas agendas de financiamento, adaptação e perdas e danos, que são temas prioritários para a região. Na COP-15 de Copenhague, em 2009, as economias desenvolvidas assumiram o compromisso de mobilizar recursos para ações climáticas nos países emergentes.
O acordo era ir aumentando os volumes até atingir US$ 100 bilhões por ano em 2020 e sustentar o montante até 2025. No entanto, ainda que os volumes venham aumentando, o auge foi de US$ 83,3 bilhões e a estimativa é de que somente no ano que vem sejam alcançados os US$ 100 bilhões pactuados. A estimativa é a mais recente da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e contabiliza investimentos públicos bilaterais e multilaterais, recursos privados e créditos de exportação. Segundo o ClimaInfo, esse dinheiro nunca foi cumprido e neste ano, já que a COP acontece na África, que é um continente muito carente, certamente esse tema virá à tona. Mais especificamente sobre a compensação de perdas e danos, a discussão sempre foi tumultuada. Os países desenvolvidos entendem a questão como um ponto dentro do guarda-chuva de financiamento, enquanto aqueles em desenvolvimento defendem a existência de um instrumento financeiro específico para esse assunto.
Entre os contribuintes, o volume não conta com divisão equitativa, segundo pesquisa do World Resources Institute (WRI). A ordem da lista de maiores pagantes de acordo com o número absoluto muda quando considerados os dados relativos ao tamanho de cada economia. A análise do WRI ressalta ainda a necessidade de avaliação da qualidade do financiamento climático e dos pedidos de diversos países vulneráveis ao clima. Também recomenda que haja paridade de recursos para mitigação e adaptação. Para além dos clássicos embates entre Norte e Sul, as atuais tensões geopolíticas devem dificultar as negociações na COP-27. A crise energética catalisada pela invasão da Ucrânia pela Rússia colocou em xeque promessas feitas no ano passado para que os países deixassem de utilizar carvão para geração de energia elétrica.
Os maiores subsídios aos combustíveis fósseis para lidar com os efeitos da alta inflação, mesmo que no curto prazo, e novos investimentos para exploração e consumo do gás natural certamente deixarão a União Europeia, que lidera a vanguarda climática, mais vulnerável a questionamentos sobre seus compromissos. A Oxford Economics destaca que a guerra no Leste Europeu foi um golpe às ambições climáticas da União Europeia no curto prazo. No entanto, o foco em segurança energética causará a aceleração dos esforços para descarbonização. Ao mesmo tempo, a aprovação do Inflation Reduction Act pelos democratas norte-americanos este ano demonstra o compromisso do governo dos Estados Unidos com a agenda. Na política externa, porém, os Estados Unidos se encontram em uma crise diplomática com a China.
Houve uma retomada surpreendente do diálogo bilateral entre os dois maiores emissores de gás carbônico do mundo na COP-26, com esforços do presidente Joe Biden, que não se sustentou após a visita da presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, a Taiwan, em agosto. Houve alguns movimentos recentes dos governos norte-americano e chinês para diminuir as tensões e retomar algum diálogo para a COP-27, mas isso dependerá de outros fatores que não estão diretamente relacionados à questão climática, como a situação de Taiwan e o tabuleiro político-militar no Mar da China. De acordo com o Global Carbon Atlas 2020, a China emitiu 10.668 Mt de CO² e os EUA, 4.713 Mt de CO². Índia (2.442 Mt), Rússia (1.577 Mt) e Japão (1.013 Mt) aparecem na sequência, com o Brasil ocupando a 12ª posição pelas 467 Mt de CO². A lista de confirmados na Conferência também tem sido monitorada. É esperada a ida de Joe Biden e do chanceler alemão, Olaf Scholz, assim como do premiê britânico, Rishi Sunak, que mudou de ideia depois de ser criticado pela possível ausência.
O presidente chinês Xi Jinping deve ficar de fora mais uma vez. O não-comparecimento da ativista Greta Thunberg e dos CEOs da BlackRock e Citi, Larry Fink e Jane Fraser, também chamam a atenção. O debate deve ganhar nuances pelo local onde é sediado. Esta será a primeira COP da agricultura ou alimentação, uma vez que a segurança alimentar é uma prioridade na África. Dados os reflexos da guerra na Ucrânia, com gargalos nas cadeias de grãos, fertilizantes e distribuição de alimentos, o assunto deve ganhar mais espaço nos debates. O mercado global de carbono, abordado no artigo 6 do Acordo de Paris, também deve estar entre os temas centrais. Depois das bases estabelecidas na edição passada, um comitê de supervisão irá apresentar uma proposta aos Estados para formular ferramentas para o funcionamento do mercado. A discussão para mitigação das emissões de gás metano também devem ter protagonismo especial nesta COP, de olho em seu potencial de aquecimento superior ao CO². Ambos os tópicos têm o Brasil como parte importante nas negociações. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.