31/Jan/2023
O relançamento da proposta de criação de uma moeda comum para as transações comerciais entre Brasil e Argentina foi recebido com mais dúvidas do que empolgação entre os exportadores. Setores que têm no país vizinho o principal destino internacional de seus produtos avaliam que a iniciativa é positiva para defender o comércio na região do avanço da China, mas aguardam por detalhes antes de projetar o potencial da medida. Uma das preocupações está na conversibilidade da nova moeda, isto é, a facilidade em converter a moeda comum em moeda local, algo relativamente simples quando as operações são realizadas em dólar. O governo não ouviu representantes da indústria automotiva, responsável pelo maior fluxo do comércio bilateral, antes de colocar a moeda comum na agenda do encontro dos presidentes Lula e Alberto Fernández em Buenos Aires.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) afirmou que apoia um Mercosul cada vez mais forte. Em relação à moeda comum, entende que o caminho de iniciar o diálogo é válido, embora embrionário para ter um posicionamento detalhado. Para a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a ideia de criar uma moeda comum faz sentido quando se pensa em saídas para facilitar o comércio, mas tem implementação difícil. Ao lembrar que o sistema de pagamentos em moeda local não chegou a alcançar 2% das trocas comerciais entre países do Mercosul, o volume negociado dentro do bloco não justifica a criação de uma moeda única. A entidade aponta ainda possíveis restrições dos operadores de comércio exterior em aceitar a moeda sul-americana. As moedas do continente não são conversíveis e não têm o mesmo poder do dólar. Não sendo moedas conversíveis, há restrição de circular. A AEB também não foi consultada pelo governo.
A avaliação é de que a iniciativa, lançada dentro do acordo bilateral, de financiar importadores argentinos é capaz de impulsionar mais rapidamente as transações com a Argentina e permitir a retomada de mercados perdidos para a China no país vizinho. A Argentina ter crédito é fundamental. Isso, de fato, vai impulsionar o comércio com os argentinos e defender o setor da China. Mas, os graves desequilíbrios macroeconômicos da Argentina inviabilizam o plano de criação de uma moeda comum com o Brasil. Mesmo que o objetivo do instrumento não seja substituir as moedas fiduciárias dos países, economistas consideram o projeto desnecessário, impraticável e guiado por motivações ideológicas. A divisa comum foi apresentada pelo governo brasileiro como uma solução para fomentar o comércio bilateral. O desenho final da proposta ainda depende do resultado dos estudos mais aprofundados, mas o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já antecipou que o recurso será restrito a transações comerciais e financeiras.
Para o ministro, a importação da Argentina está muito ruim e o problema é exatamente a divisa. Apesar das promessas de preservação da exclusividade do peso argentino e do Real brasileiros em cada um dos territórios, especialistas no exterior receberam a proposta com ceticismo. Em análises de consultorias internacionais, adjetivos como "insensato", "inviável" e "ruim" foram usados para definir o projeto. Alguns especialistas enxergam, inclusive, motivações puramente populistas dos dois governos. É o caso da Oxford Economics, que entende haver um desejo dos governos Lula e do presidente argentino, Alberto Fernández, de agradar suas bases eleitorais. O projeto oferece mais uma evidência de que é a ideologia, e não o pragmatismo, que está orientando as políticas na América do Sul, o que nunca é uma boa notícia para as empresas.
No entanto, para além das questões políticas, prevalece o consenso de que Brasil e Argentina apresentam perfis econômicos significativamente distintos. Para começar, com uma inflação que se aproxima de 100% na base anual em apenas um mês, os argentinos enfrentam em um mês alta de preços mais acelerada do que os brasileiros veem em um ano. Essa disparidade exige posturas de política monetária e fiscal muito diferentes cada uma e quase garante que o valor do sur (nome do projeto) esteja fadado a despencar com o tempo. A efetividade e a necessidade de uma ferramenta desse tipo são questionadas. O comércio entre os dois países representa apenas 6% do Produto Interno Bruto (PIB), o que torna a ideia não apenas irrelevante, como inviável. Para que seja possível avançar com a integração, os governos do Brasil e Argentina precisariam criar e capitalizar um Banco de Compensações.
O problema é que, embora o Brasil disponha de vastas reservas internacionais, o cenário é outro na Argentina. O país já está no meio de uma grave crise de balanço de pagamentos e não tem dólares para pagar os detentores de títulos e financiar suas próprias importações, muito menos financiar um novo banco internacional. A Pantheon Macroeconomics ressalta que a Argentina tem problemas estruturais muito grandes, que deveriam ser solucionados antes de qualquer ideia de integração como essa. Os custos de incorrer em um projeto como este superaria em muito os possíveis benefícios de uma união, devido às condições iniciais desses países, em particular a Argentina. A Eurasia classifica como improvável a efetivação da divisa comum. Além dos desafios econômicos, principalmente na Argentina, o quadro político é incerto, antes das eleições presidenciais marcadas para outubro no país vizinho.
O anúncio, portanto, é impulsionado principalmente pelo desejo de ambos os presidentes de sinalizar um compromisso com a integração regional. Se entre economistas a reação ao anúncio da moeda comum foi de descrença, entre empresários argentinos houve melhor receptividade. A Associação de Empresários e Empresas Nacionais para o Desenvolvimento Argentino (ENAC) afirmou que a moeda comum dispensaria o dólar para transações bilaterais, o que traria maior dinamismo para exportações e importações. Hoje, os bancos brasileiros relutam em financiar operações normais de comércio exterior com a Argentina, a equiparando à Rússia, o que é grave. A Confederação Empresarial da República Argentina afirmou que espera que o projeto ajude a aumentar as exportações argentinas para o Brasil. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.