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24/Mar/2023

Descarbonização da economia e mercado de carbono

Para quem navega na agenda de mudanças do clima, promover a transição da economia com vistas à descarbonização dos setores produtivos é um anseio comum. Buscar a neutralidade de emissões de gases de efeito estufa (GEEs) mediante a redução abrupta das emissões somada a compensação via redução, sequestro e captura de carbono é outro mantra do multilateralismo climático. O novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) afirma que o mundo já está 1,1ºC mais quente do que na era pré-industrial e que os esforços para conter esse aumento a no máximo 1,5º C exigirão cortes abruptos de emissões em torno de 43% até 2030 e neutralidade de emissões no máximo até 2050. Há mais promessas e discursos sobre a descarbonização do que ações que entreguem resultados efetivos.

Estima-se que são necessários investimentos de US$ 4 a 6 trilhões por ano para favorecer a transição da economia alinhada com a neutralidade climática, o que exigirá uma série de mudanças envolvendo sistemas financeiros, políticas públicas, tecnologias, cooperação e práticas de todos os setores econômicos. O Brasil tem desafios enormes para catalisar o crescimento da economia e a descarbonização é um tema inerente citado pelo novo governo como propulsor da reindustrialização e desenvolvimento sustentável do País. O potencial de expandir as fontes renováveis de energia, descentralizando a produção e a transmissão, gerando empregos e novos negócios é apenas uma das oportunidades. O uso de biocombustíveis e a produção de biogás e biometano, a expansão da geração fotovoltaica e eólica e os avanços com hidrogênio verde deverão gerar inúmeros benefícios econômicos de baixo carbono.

Estimular a agropecuária e sistemas produtivos lastreados em tecnologia, ganhos de produtividade, adaptação, redução de emissões e cobenefícios associados a práticas sustentáveis é inerente ao fortalecimento da produção de alimentos, fibras, energias renováveis. Integrar a agricultura familiar e gerar renda e mais produção tendo inovação como base será estratégico para reduzir impactos e fortalecer o setor produtivo. No entanto, assumindo que a principal fonte de emissões decorre do desmatamento e queimadas (49% das emissões em 2021, de acordo com dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa), e que a meta levada na COP-26 foi de acabar com a conversão ilegal de vegetação nativa até 2028, os setores de agropecuária, energia, processos industriais se tornarão, no curto prazo, mais emissores.

Nesse cenário, a meta de neutralidade de emissões até 2050 exige definir de que forma o Brasil irá considerar o mercado de carbono como instrumento de política econômica e climática. É essencial ponderar que certos setores da economia deverão ter metas obrigatórias de redução de emissões e, portanto, serão potenciais demandantes de créditos de carbono gerados por setores que, por natureza, podem gerar redução ou captura de carbono. Vale sempre ponderar que a lógica da criação dos mercados de carbono nos moldes dos sistemas de comércio de emissões ou cap and trade é estimular a criação de projetos que contribuam com o desenvolvimento sustentável e gerem toneladas de redução de emissão certificadas. De acordo com o Banco Mundial, existem 34 iniciativas de comércio de emissões em funcionamento e 20 em estágio de criação.

Há ao menos dois projetos de lei no Senado que tratam da criação de um mercado de carbono, o que precisa ser feito de maneira estratégica, com um forte viés econômico. O potencial de incentivar a descarbonização dos setores mais emissores e fomentar projetos inovadores será inerente ao modelo de precificação de carbono adotado pelo Brasil. Vale sempre lembrar que a mera taxação de emissões tende a ser contraproducente como política que vise estimular uma nova economia de baixa emissão. A formatação do mercado regulado de carbono do Acordo de Paris se consolidou com as regras aprovadas na COP-26 e estão evoluindo para permitir que o mercado comece a operar nos próximos anos. Em paralelo, dados da Ecosystem Marketplace apontam que, em 2022, o mercado voluntário transacionou US$ 1,7 bilhão em créditos de carbono, representando um volume de 240 milhões de toneladas de CO2equivalente. O mercado regulado será a principal fonte por créditos de carbono de alta qualidade.

O mercado voluntário deverá se fortalecer com a demanda adicional gerada por metas voluntárias de neutralidade de empresas. E aí vale questionar se o Brasil será um grande fornecedor de créditos florestais ou se, preferencialmente, florestas serão a base do recebimento de recursos climáticos via projetos REDD+ captados pelos governos federal e estaduais enquanto os setores de energia, agropecuária, indústria e resíduos poderão competir pela geração de créditos de carbono com integridade ambiental que tenham fungibilidade no mercado internacional. A opção de ser um grande berço de créditos florestais, em detrimento de outros setores, pode trazer custos inestimáveis no longo prazo. O Brasil é mais do que um potencial gerador de reduções de emissão pelos seus estoques de carbono florestais e pelo apetite crescente de restauração, visível nas metas das novas empresas que se propõem a restaurar ao menos nove milhões de hectares de forma voluntária tendo a geração de créditos como um cobenefício.

Mas, é prudente separar o potencial de gerar créditos de carbono florestais e o potencial de captar recursos de financiamento para projetos REDD+. Até o final de 2022, projetos REDD+ alcançaram uma área de 1,35 bilhão de hectares em 60 países em desenvolvimento. Como resultado das atividades de REDD+, 13 desses países relataram uma redução de aproximadamente 10 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, o que os torna elegíveis para buscar financiamento baseado em resultados. O Brasil tem aprimorado seus níveis de referência metodológicos e poderá incrementar a captação de recursos, especialmente se avançar no controle do desmatamento. E isso é diferente de vender créditos de carbono florestais. Ao passo que os mercados regulados e voluntário ganham forma e espaço, a economia brasileira precisa se integrar a essa agenda global sob pena de perder não apenas a oportunidade de estimular o desenvolvimento de diversos setores produtivos, incorporando a precificação de carbono, como de integrar créditos gerados no Brasil ao mercado internacional.

Não precificar o carbono é uma escolha arriscada para a nova economia. É urgente reorientar as políticas para permitir galgar as oportunidades que a redução de emissões pode gerar para estimular a reindustrialização do País e a transição energética e da agropecuária como estratégias intrínsecas a competitividade desses setores no longo prazo. A meta de neutralidade enseja refletir, para muito além das florestas, quais caminhos o Brasil pretende trilhar para estimular a transição de baixo carbono considerando políticas públicas estruturantes que permitam fortalecer o País não somente como um fabuloso detentor de carbono florestal, mas sim como líder na descarbonização da economia. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.