19/Mai/2023
Em comemoração ao Dia da Indústria, em 25 de maio, o governo lançará um pacote de medidas que proporcione o retorno do “carro popular”. A meta inicial era que o mercado voltasse a oferecer veículos com preço entre R$ 45 mil e R$ 50 mil, mas, convencido pelo setor automotivo, o governo teria chegado à conclusão de que esse objetivo é inviável e ajustado suas expectativas para um valor em torno de R$ 55 mil. A condução do debate sobre o programa apresenta equívocos de origem. Em primeiro lugar, o preço do carro popular parece ser uma simples conta de chegada, sem nenhuma base a justificá-lo que não o marketing, o que revela o nível de improviso com que o tema tem sido tratado. A efeméride do Dia da Indústria, por sua vez, agregou um senso de urgência que favorece a adoção de soluções simplórias para problemas complexos, o que nunca é um bom caminho em se tratando de políticas públicas que se pretendem consistentes.
Os problemas do setor automotivo não são recentes. Produção e vendas estão estagnadas há anos. Com o aumento dos custos dos insumos durante a pandemia, novos critérios para reduzir as emissões e requisitos mínimos de segurança veicular, os carros mais baratos ofertados no País são vendidos por R$ 69 mil, valor inacessível para a maioria da população. O custo dos financiamentos subiu acompanhando a elevação da taxa básica de juros, enquanto a renda do trabalhador, corroída por uma inflação resiliente, não cresce há dez anos. É uma combinação trágica para um setor que tem excesso de capacidade instalada no País e que precisa de escala para se manter. Para evitar demissões e fechamento de unidades, a estratégia da indústria tem sido adotar férias coletivas, cortar turnos e suspender a produção.
Pátios de montadoras lotados são uma pressão adicional para o presidente Lula, sensível às demandas do setor que o projetou como líder político e em busca de uma agenda positiva para reconquistar o apoio de uma classe média empobrecida, endividada e impaciente. A pergunta que ninguém no governo ousa fazer é como o retorno do carro popular se tornou a resposta para esses problemas, quando ele representa o oposto do que o País precisa para crescer e de desenvolver de forma sustentável. Ao que tudo indica, relançar o carro popular demandará uma nova rodada de desonerações, como se o setor não acumulasse privilégios tributários há décadas. A mais recente medida que entrou na mesa de negociações é a retomada da cobrança de Imposto de Importação de carros elétricos. Aparentemente, há quem acredite que a isenção explica a falta de investimentos na produção desse tipo de veículo em território nacional.
Mas é estarrecedor que, para reduzir o custo de aquisição do produto, o governo cogite ir além: autorizar o uso do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia dos financiamentos e retirar itens básicos relacionados a emissões e de segurança dos veículos. Desde que se instalou no País, há cerca de 70 anos, o setor vive de permanentes subsídios fiscais e de proteção contra a concorrência estrangeira. A indústria automotiva tem todo o direito de fazer lobby junto ao governo para manter esses benefícios, mas cabe ao Executivo distinguir interesses privados de interesses públicos. Afinal, toda intervenção governamental em qualquer setor deve ter uma justificativa, pois ela gera custos e consequências de curto, médio e longo prazos. Antes de propor mais uma política pública atrelada ao passado, o governo faria bem se avaliasse com coragem e realismo os resultados que programas anteriores, como o Inovar-Auto, do governo Dilma Rousseff, e o Rota 2030, de Michel Temer, trouxeram ao País em termos de eficiência, produtividade, inovação e crescimento.
Somam-se a esse contexto as ações do governo com vistas à transição energética, uma agenda que o País tem todas as condições de liderar em termos mundiais. Nesse sentido, qualquer incentivo à aquisição de veículos e ao transporte individual, além do alto custo, representa, no mínimo, uma incoerência. O governo tenta envolver os Estados com cortes no ICMS, medida que se somaria à redução do IPI (imposto federal) e das margens de lucro de montadoras e concessionárias. O pacote deve incluir juros subsidiados para o financiamento e prazos mais longos para as parcelas. Está em discussão também o uso de parte do FGTS do trabalhador como uma espécie de “fundo garantidor” em caso de inadimplência. Os juros altos são citados pelas montadoras como o principal entrave para as vendas. Há ainda medidas para reduzir os preços de automóveis de até R$ 100 mil, que estão fora do segmento conhecido como “popular”. Os dois modelos mais baratos à venda hoje são o Renault Kwid e o Fiat Mobi, ambos por R$ 69 mil.
Outra medida deve favorecer diversos segmentos da indústria, além do automotivo. Os organizadores do evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) aguardam a confirmação da presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para fazer o anúncio. Em sua ausência, o porta-voz será o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin. Na abertura estarão presentes o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, e o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, de acordo com agenda preliminar. A indústria automobilística espera que as medidas ajudem a recuperar as vendas do setor, em queda ou estagnadas desde o início da pandemia. Várias empresas suspenderam a produção temporariamente e deram férias coletivas aos funcionários ou cortaram turnos de trabalho para adequar a produção à demanda.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) não está à frente dessa discussão, que tem sido conduzida por algumas montadoras com ajuda da Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). Mas tudo o que for feito para aquecer o mercado é muito bem-vindo. A entidade é contrária a ações como retirada de itens relacionados à segurança e redução de emissões para baratear os preços. Alternativas citadas por algumas empresas são sistemas de multimídia menos sofisticados, além de simplificação de itens como estofamento, forro do porta-malas, tapetes etc. Outra medida que pode ser anunciada é a volta gradual da cobrança do Imposto de Importação incidente sobre carros elétricos (que está zerado desde 2015) para incentivar a produção local desses modelos, assim como dos híbridos flex.
Essa proposta, contudo, é vista por parte das fabricantes como um atraso ao País. Após a cerimônia de abertura do evento está prevista a realização de um painel para debater a nova política industrial. Haverá ainda outro painel sobre a reforma tributária para o crescimento econômico, com a presença de Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária do Ministério da Fazenda. A programação prevê também mais três painéis sobre a desindustrialização e os novos desafios da geopolítica e do financiamento para o desenvolvimento da indústria e fortalecimento das pequenas e médias empresas. Entre os participantes estarão o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Gabriel Galípolo. O evento será encerrado pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.