17/Oct/2023
Há cinco séculos a América Latina fornece comida, combustíveis e metais ao mundo. O Banco Interamericano de Desenvolvimento adverte que a demanda crescente do século 21 por comida, energia verde e minerais críticos oferece uma tripla oportunidade. Mas, uma questão permanece: por que numa região tão rica em recursos o povo é tão pobre? Se essa questão não for enfrentada, tais oportunidades estão fadadas a ser desperdiçadas, de novo. Até 2050, a população mundial crescerá de 8 bilhões para quase 10 bilhões. Com vastas terras agricultáveis e uma população relativamente pequena, a América Latina é a maior exportadora de comida do mundo. Também fornece um terço do cobre e metade da prata e contém 60% das reservas de lítio, além de grafite, estanho e níquel, materiais cruciais para as energias limpas. Mais próximos à superfície, eles são mais facilmente extraíveis do que em outros lugares, e, numa região farta em sol, vento e água, podem ser processados com energia renovável e barata.
O boom dos anos 2000 foi puxado pela industrialização da China, que se desacelerou nos anos 2010. Já a transição energética é global, incontornável e duradoura. Rivalidades geopolíticas levam países ricos a realocar cadeias de fornecimento a regiões próximas e amistosas. A América Latina é pacífica e neutra e, entre as regiões com países em desenvolvimento, tem as democracias mais robustas. As condições estão aí, mas também as mazelas que dissiparam oportunidades como essas no passado. Desde a era colonial, a região experimenta ciclos de crescimento sem desenvolvimento. Elites latifundiárias semifeudais expandiram sua produção à custa da expropriação de terras dos nativos e da exploração de seu trabalho e o de africanos, calcificando uma sociedade desigual e repleta de desincentivos à produtividade e à inovação. O melhor das monoculturas era exportado e tudo o mais era importado. No século 20, buscou-se reverter essa relação de dependência com barreiras protecionistas e subsídios à indústria. Mas isso perpetuou um setor pouco competitivo e dependente do Estado.
As relações corruptas entre os donos do poder e os do dinheiro se tornaram endêmicas, a desigualdade aumentou e, ironicamente, a dependência das commodities também. Hoje, em termos de barreiras comerciais, a América Latina é a segunda região menos acessível do mundo, depois da África. A educação é deficitária. A região investe 0,6% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, menos de um quarto da média da OCDE. A infraestrutura é precária. E há sempre um demagogo pronto a esbanjar o dinheiro do boom de commodities da vez bombeando os lucros das oligarquias e o consumo das classes baixas, sem qualificar a oferta e as condições de crescimento sustentável. As “décadas perdidas” se acumulam. A “tripla oportunidade” opõe um “triplo desafio”: governos sem dinheiro, populações sedentas de serviços públicos e baixo crescimento. Para capitalizar as oportunidades, os governos precisam gerar espaço fiscal, reduzindo os custos e a ineficiência da máquina pública, e sanear o manicômio tributário e regulatório que afugenta investidores.
Os protecionismos e privilégios precisam cair, ainda que gradualmente, promovendo uma “destruição criativa” na indústria. O dinheiro das commodities precisa ser investido na diversificação das exportações e na agregação de valor (por exemplo, incentivando fábricas de baterias com os metais extraídos), mas também em educação, para qualificar a mão de obra, e infraestrutura, para baratear custos, além de serviços públicos para reduzir inquietações sociais que convidam a aventuras populistas. De resto, se a mineração é essencial para impulsionar energias verdes e reduzir impactos climáticos, ela comporta impactos em biomas e comunidades. Mitigá-los é crucial para que o desenvolvimento prometido pelas commodities seja sustentável. Mais do que uma década, esse desenvolvimento é uma promessa de um século. Mas, se a América Latina não aprender com a história, estará condenada a um “século perdido”. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.