14/Nov/2023
Com as atenções voltadas para as queimadas na Amazônia, as chamas se alastram por outro bioma: o Pantanal. O número de focos de incêndio ativos no bioma da Região Centro-Oeste este mês já é cinco vezes maior do que o registrado em todo o novembro do ano passado. Pior: a fumaça proveniente das queimadas da Amazônia e do Pantanal afeta diretamente a qualidade do ar na cidade de São Paulo, conforme revela estudo publicado na Science of the Total Environment. O trabalho é de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). O fogo cresce de maneira assustadora. Houve fatores, como tempestade de raios, que agravaram o cenário, mas a verdade é que a estrutura de combate a incêndios é aquém do necessário. O combate a pé, a despeito da força e da coragem dos brigadistas, é humanamente impossível, reclama o Instituto Homem Pantaneiro. O Pantanal segue como segundo plano, lamentavelmente.
É preciso ter uma agenda de equilíbrio dos biomas. Um não pode ser salvo em detrimento do outro. O fogo já devastou área equivalente a quatro vezes o tamanho da cidade São Paulo, conforme o SOS Pantanal. A combinação de tempo seco, ventos fortes e poeira criou ambiente propício para a queda de raios, o que desencadeia incêndios, segundo o Conselho Nacional de Reserva Biosfera do Pantanal. Os tempos mudaram e o mundo está em um ciclo de mudança climática. O governo não fez nenhuma adaptação de políticas públicas para a prevenção. Análise feita pelo Instituto Centro de Vida (ICV), organização do terceiro setor que atua no Pantanal, a partir de dados do Inpe e da Nasa, agência espacial norte-americana, mostra que o fogo tem atingido unidades de conservação importantes. Cerca de 68% da Reserva Particular do Patrimônio Natural Estância Dorochê, uma área de 18.254,2 hectares, já foi consumida. Segundo o governo federal, os incêndios no local foram causados por raios, que atingiram três pontos.
Outras unidades de conservação maiores também estão entre as afetadas. No Parque Estadual Encontro das Águas, 24.029,5 hectares já foram destruídos (22% da área total). O local é um dos principais refúgios de onças-pintadas do mundo. Tem dois focos ativos no Encontro das Águas e outro no Parque Nacional que vão se encontrar, e a Rodovia Transpantaneira está bem no meio. Não vai ter área de escape aos animais, afirma o SOS Pantanal. O Ministério do Meio Ambiente afirmou que as ações de combate no local são coordenadas por equipes do Corpo de Bombeiros do Estado de Mato Grosso. A região é de difícil acesso, e grande parte dos combates depende de aeronaves. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, uma operação de combate a incêndios começou em 29 de outubro no Parque Nacional Pantanal Mato-Grossense. Após um reforço na semana passada, 53 brigadistas atuam para conter as chamas na região e aeronaves serão deslocadas. O Ibama diz que uma aeronave do instituto já opera no Pantanal e que, no sábado (11/11), outro helicóptero do ICMBio reforçou a operação. O órgão ainda diz negociar um helicóptero com a Polícia Rodoviária Federal.
O governo de Mato Grosso do Sul afirmou que uma ação integrada para prevenir e controlar os incêndios no Pantanal e em outros biomas já surte efeito com a redução significativa de áreas queimadas. Houve redução de 74,7% nos focos de calor nos três biomas do Estado (Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica), entre 2021 e 2022, passando de 9.377 para 2.368 ocorrências. O período de estiagem no Pantanal é agravado pela situação que ocorre na Amazônia. Segundo a Organização Panthera, para que a planície pantaneira seja alagada, o bioma depende de chuvas que ocorrem no Cerrado e que são fruto do regime de chuvas da Amazônia. Assim, a seca e os incêndios que agridem a Floresta Amazônica geram um efeito dominó em biomas. Todo o regime hídrico das Regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil é influenciado pela Amazônia. Ela tem papel muito relevante para manter esse ciclo de chuvas. Não há chuva suficiente dentro da planície do Pantanal para alagar o Pantanal.
Há uma dependência forte com a Amazônia pela questão do regime de chuvas. Se a Amazônia está seca, o Pantanal também vai ser prejudicado. É preciso mapear as áreas mais suscetíveis a incêndios para atuar de forma rápida. Outro ponto importante é aumentar a fiscalização para coibir uso irregular do fogo. São necessárias ações com os fazendeiros locais para limpeza das áreas, facilitando a logística de acesso aos pontos de incêndio. E o “efeito dominó” da crise amazônica também já afeta a saúde até de quem mora na Região Sudeste, como mostra o estudo científico do projeto Metroclima, coordenado pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas, da USP, com financiamento da Fapesp. A partir de cinco pontos de medição instalados na cidade, o projeto vem monitorando a fumaça oriunda de incêndios florestais e as concentrações de gases do efeito estufa.
As plumas de fumaça que têm origem na Amazônia, no Pantanal e no interior de São Paulo, com a queima de cana-de-açúcar, são transportadas à Região Metropolitana de São Paulo, onde agravam a qualidade do ar e níveis de concentração de CO2 e metano. Nos dias em que a fumaça se acumulou sobre a cidade, as concentrações de material particulado fino excederam o padrão aceitável pela Organização Mundial da Saúde (de 25 mcg/m³) em todas as estações do projeto. O volume de CO2 registrado foi de 100% a 1.178% superior ao medido em dias sem fumaça. Uma coisa muito interessante que foi detectada é que, nas áreas com mais vegetação, a absorção do CO2 pode ser até 20% maior do que nas regiões em que não há nenhuma vegetação, dependendo do período do ano. Ou seja, qualquer esforço local no sentido de plantar árvores já faz diferença. O grupo detectou também os índices de metano, outro gás do efeito estufa muito relacionado à criação de gado. Ao medir o metano descobriu-se que há impactos negligenciados nas cidades, como as emissões por aterros sanitários, que são muito maiores do que o esperado.
Os cientistas da USP e do Ipen demonstraram ainda como eventos de poluição externa, como incêndios florestais, representam um desafio adicional para as cidades, em relação às ameaças à saúde pública associadas à qualidade do ar, e reforçaram a importância das redes de monitoramento de gases do efeito estufa para rastrear emissões e fontes locais e remotas dos gases que ocorrem em áreas urbanas. Além da saúde, a poluição do ar está ligada à perda de biodiversidade e ecossistema, e tem impactos adversos no capital humano. Um aumento previsto na frequência, intensidade e duração das ondas de calor e uma elevação associada de incêndios florestais em consequência das mudanças climáticas neste século devem agravar ainda mais a qualidade do ar. A interação entre poluição e mudança climática imporá uma “penalidade climática” adicional para centenas de milhões de pessoas, de acordo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.