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24/Nov/2023

Mercado de Carbono: perspectivas futuras no Brasil

Os debates sobre o mercado de carbono brasileiro se intensificaram com a aprovação do Projeto de Lei 412/2022 no Senado Federal, em outubro de 2023. A proximidade da 28ª Conferência das Partes (COP28) da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (UNFCCC), que ocorrerá em Dubai, joga mais luz sobre o tema e aquece as expectativas quanto aos potenciais ganhos que o Brasil poderá lograr ao ter um mercado regulado, integrado ao mercado internacional. O mercado de carbono acende os ânimos, notadamente pelo prisma do desenvolvimento de projetos que gerem redução de emissões ou remoção de gases de efeito estufa (GEEs) e, dessa forma, créditos de carbono que poderão ser vendidos proporcionando bilhões de dólares a cada ano. A proposta deste artigo é pensar o futuro mercado de carbono brasileiro à luz da experiência internacional, adaptada para as realidades nacionais. Com uma meta de neutralidade de emissões até 2050, e uma meta de acabar com desmatamento até 2030, o Brasil precisará estimular seus setores econômicos a reduzir emissões.

Para tanto, vale lembrar que a lógica inerente a criação do mercado de carbono, na época do Protocolo de Kyoto, foi apoiar setores que teriam metas obrigatórias de reduzir emissões, que poderiam compensá-las, em parte, comprando créditos de carbono. Ademais, incentivar países em desenvolvimento a implementar projetos que estimulem desenvolvimento sustentável com a geração de créditos de carbono. A experiência do mercado regulado foi, até certa medida, exitosa, e traz muitas lições que não podem ser desperdiçadas. A diferença do momento atual, com o Acordo de Paris, é que todos os países possuem metas de reduzir emissões ao passo que todos parecem querer gerar créditos de carbono. Esse frisson de vender créditos de carbono para o mundo exige atenção. Não existe uma demanda cativa vinda de países desenvolvidos que beneficiará automaticamente países em desenvolvimento. A lógica agora é outra, e dependerá de como cada país vai precificar o carbono, usando o mercado como instrumento para estimular a transição da economia.

Dados do Banco Mundial mostram que já existem 36 modelos de mercado cap and trade ou emissions trading system (ETS) e 37 taxas de carbono. A opção brasileira é o enfoque cap and trade, onde se estabelecem limites de emissão para certos setores, criando-se metas que deverão ser cumpridas em períodos determinados. Esse modelo visa estimular a transição da economia, exigindo inovações que permitam reduzir emissões, abrindo espaço para compensar emissões com a aquisição de créditos. O ETS da União Europeia é o mais famoso. China, Califórnia, Tóquio, México, Quebec são outros modelos de ETS em funcionamento. É essencial ponderar que há 3 formas para cumprir com metas de redução em um mercado ETS. Adotar inovações que permitam reduzir emissões, o que tem relação intrínseca com a possibilidade de adotar tecnologias menos emissoras, substituir fontes energéticas sujas por renováveis, agregar práticas de agropecuária de baixo carbono, implementar medidas de eficiência energética, dentre inúmeras outras ações.

No entanto, há limites para reduzir emissões em vários setores, seja do ponto de vista tecnológico, seja pelos custos que podem inviabilizar a competitividade no curto prazo. Os mercados ETS usam as licenças de emissão (allowances) como suporte para os setores regulados, que as recebem gratuitamente ou as adquirem em leilões feitos pelo órgão regulador. As licenças de emissão são direitos para emitir tantas toneladas de CO2 equivalente, que são usados para compensar parte das emissões. Quando uma empresa consegue reduzir e não gasta todas as suas allowances, pode vendê-las no mercado. Adicionalmente, em linha com a lógica histórica da criação dos mercados de carbono, abre-se a possibilidade de que os setores regulados adquiram créditos de carbono gerados em projetos que sigam critérios e requisitos que permitam assegurar que a redução ou remoção de GEEs efetivamente aconteceu. A venda dos créditos em um ambiente regulado que cria uma demanda pode catalisar o desenvolvimento de projetos que gerem externalidades positivas para o país.

O problema por trás das allowances refere-se ao fato de que as licenças podem inundar o mercado com um tipo de moeda, que acaba desestimulando o desenvolvimento de créditos de carbono. O caso europeu é paradigmático neste sentido! Entre 2013 e 2020, foram concedidas cerca de 16 bilhões de toneladas de CO2eq de allowances, que representam aproximadamente a metade das emissões totais de carbono da União Europeia. É essencial frisar que as licenças não estão lastreadas em reduções de emissão ou remoções que efetivamente ocorreram, ou seja, são apenas licenças, um direito para emitir. Se as allowances fossem atreladas a mitigação efetiva, como acontece no ETS de Tóquio, os mercados teriam muito maior ambição. O mecanismo do Artigo 6.4 do Acordo de Paris, por exemplo, prevê cancelar ao menos 2% dos créditos gerados para contribuir com o objetivo da mitigação geral das emissões globais.

O desafio é como criar um estoque de allowances que advém de créditos de carbono efetivamente gerados no âmbito de um ETS. Isso, se bem desenhado, pode incentivar o desenvolvimento de projetos e criar um ciclo virtuoso que contribui com allowances que significam reduções ou remoções de GEEs e com créditos de carbono de alta qualidade. Inundar o mercado com licenças de emissão tolhe a ambição do mercado em efetivamente reduzir ou remover GEEs, e cria um problema de superoferta e preços baixos de carbono a depender de fatores macroeconômicos, por exemplo. Licenças sem lastro em toneladas reduzidas ou removidas são, na prática, uma moeda artificial de carbono! Outro aspecto que merece atenção, quando se pensa na grande demanda de créditos vinda do mercado regulado, é que os principais mercados ETS não permitem a compra de créditos offset, exceto em alguns casos.

Isso sugere que atores regulados em seus mercados não serão grandes demandantes de créditos gerados em outros países. Isso sugere refletir que a integração do mercado brasileiro com os mecanismos do Artigo 6 do Acordo de Paris deve priorizar a venda de créditos diretamente para países cumprirem suas metas. Até setembro de 2023, 103 Partes indicaram que pretendem usar o mecanismo do Artigo 6.2, que trata de acordos cooperativos para a transferência internacional de resultados de mitigação, enquanto 68 Partes sugerem usar o mecanismo do Artigo 6.4. A "exportação de créditos de carbono tropical" pode sim contribuir para descarbonizar a economia brasileira e gerar uma onda crescente de projetos que viabilizem desenvolvimento. Há que se considerar, no entanto, que o mercado demandará créditos de alta qualidade, que não ofereçam riscos ambientais e sociais, e que o Brasil irá competir com outros países. A formatação dos diferentes mercados de carbono dos países e jurisdições ainda está em movimento, e é prudente lapidar o futuro mercado brasileiro à luz das melhores práticas.

Além do propósito de incentivar a transição da economia, de proporcionar investimentos em projetos que gerem externalidades positivas e de posicionar o Brasil alinhado com os objetivos de descarbonização, o futuro mercado de carbono precisa induzir desenvolvimento e não ter um enfoque meramente punitivo. Como um país que entrega soluções climáticas essenciais para a transição da economia, no setor de energias renováveis, de agropecuária de baixo carbono, de tratamento de resíduos e de conservação e restauração de florestas, o Brasil pode contribuir grandemente para os objetivos do Acordo de Paris tendo um mercado regulado bem construído. Como usá-lo para fortalecer nossa economia e gerar novos negócios com o carbono tropical dependerá de vários fatores que estão, gradualmente, sendo amadurecidos. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.