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01/Mar/2024

Entrevista: Solange Srour - UBS Global Management

Diretora de macroeconomia para o Brasil do UBS Global Wealth Management, Solange Srour avalia que a sinalização de um Federal Reserve (Fed, banco central dos Estados Unidos) mais cauteloso na condução da política monetária pode exacerbar as fragilidades fiscais do Brasil nos próximos anos. O cenário do banco hoje é de que o Fed deve promover três cortes de 0,25% nos juros este ano e o primeiro seria em junho. Antes, a previsão era que o ciclo de afrouxamento monetário tivesse início em maio. Isso tem levado a uma pressão nas taxas de juros globais. Então, afeta o Brasil e outros países.

Com um cenário mais desafiador nos Estados Unidos, a economista alerta para o fato de que o Brasil pode ficar mais vulnerável se não equacionar o rombo das contas públicas, com a manutenção das regras do arcabouço e sinalizações do cumprimento das metas de resultado primários propostas pela equipe econômica. Em 2024, por exemplo, a promessa é zerar o rombo fiscal. A percepção é de que o Brasil está tentando “empurrar com a barriga” essa discussão para o meio do ano, para alterar a meta ou fazer um contingenciamento. Se mudar a meta sem fazer contingenciamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, haverá um efeito de expectativas para pior nos próximos números de déficit primário e no crescimento da dívida. Segue a entrevista:

Como a sra. vê este começo de ano para a economia brasileira?

Solange Srour: Estamos num ano em que se espera um ciclo de cortes de juros nas mais diversas economias, principalmente nas desenvolvidas. E o que a gente está vendo nos EUA é muito relevante. É uma economia muito mais resiliente do que a expectativa, com dados que colocam um viés positivo para o crescimento. Ao mesmo tempo, a desinflação está mais desafiadora. Há uma parte de serviços nos EUA, que está mais resiliente também. E junto com dados mais fortes de atividade, tem trazido preocupação ao Fed. Não uma preocupação no sentido de que os juros não vão cair, mas de saber se já é o momento de fazer o corte ou não.

E qual vai ser o impacto para o Brasil?

Solange Srour: Vai depender muito do caminho até junho. Se continuarmos vendo esses dados mais fortes nos EUA, pode até ter uma reprecificação de menos cortes (nos EUA). Aí, como o próprio BC tem dito, vai depender do impacto que essa reprecificação de juros vai ter no câmbio e nas expectativas de inflação. Hoje, não vejo uma relação muito automática. No Brasil, a economia está mais resiliente também. As projeções de PIB estão aumentando no Focus e temos um cenário de inflação mais tranquilo, mas também com essa parte de serviços, relacionada à demanda, mais pressionada.

E quando e quanto o Fed começa a cortar juros?

Solange Srour: O call (projeção) é de um corte começando em junho. É um corte por trimestre. Então, são três cortes de 25 (pontos). É um pouco o que está implícito nas projeções do Fed. No final do ano, o mercado reagiu muito colocando o corte maior do que estava implícito no Fed, mas, agora, está mais ou menos parecido.

E qual vai ser o impacto para o Brasil?

Solange Srour: Vai depender muito do caminho até junho. Se continuarmos vendo esses dados mais fortes nos Estados Unidos, pode até ter uma reprecificação de menos cortes. Isso só vai afetar a nossa política monetária, como o próprio BC tem dito, dependendo dos impactos que pode ter no câmbio e nas expectativas de inflação. Hoje, eu não vejo uma relação muito automática. No Brasil, a economia está mais resiliente também. As projeções de PIB estão aumentando no Focus. Estamos com um cenário de inflação mais tranquilo este ano, mas também com essa parte de serviços, relacionada à demanda, mais pressionada na margem.

E sobre a incerteza fiscal, como a sra. vê a condução das contas públicas?

Solange Srour: No curto prazo, temos tido algumas surpresas positivas na arrecadação e na atividade. Quando se tem esses períodos de atividade, o mercado começa a esperar um PIB mais forte para o ano e, inevitavelmente, para a arrecadação, que também deve ser revista para cima. É o que o mercado está fazendo e dando um viés de baixa para o número que está no Focus, de 0,8% do PIB de déficit primário em 2024. Vejo o consenso indo para o número pouco abaixo disso, mas ainda muito longe de zero.

Não cumprir a meta vai trazer algum tipo de problema?

Solange Srour: Evitar essa discussão no começo do ano, por ser um ano eleitoral ou não querer causar um corte de emendas, por exemplo, é muito ruim porque sinaliza que não há esforço para cumprir a meta. No curto prazo, não vai trazer problema porque os mercados ainda estão num humor favorável com a queda de juros que está acontecendo no Brasil e que vai acontecer lá fora. Agora, a gente fica vulnerável a um ambiente externo que pode mudar de um dia para outro. Eu acho que a gente está tentando empurrar com a barriga essa discussão para o meio do ano para alterar a meta ou fazer um contingenciamento. Muito provavelmente vai se alterar a meta, porque os gatilhos que o arcabouço coloca para o não cumprimento podem comprometer bastante alguns gastos em 2025 e 2026, e o governo não vai querer fazer isso. Eu acho ruim a gente adiar essa discussão e ficarmos vulneráveis ao ambiente que está incerto.

O ministro Fernando Haddad (Fazenda) quer a meta zero. Uma eventual mudança, que impacto trará?

Solange Srour: Muita gente diz que mudar a meta não faz diferença porque ninguém espera que o (déficit) zero seja cumprido. Então, não vai piorar o preço de ativos, expectativas de inflação nem interferir na queda de juros. Eu acho que tudo depende das circunstâncias em que se muda a meta. Se mudar a meta sem fazer congestionamento algum e sem sinalizar nenhum tipo de controle de despesa, tem um efeito de expectativas para pior nos próximos números de (déficit) primário e no crescimento da dívida. No fundo, a política fiscal fica menos crível. Quando a gente está num ambiente como o deste ano, em que está todo mundo numa expectativa forte de queda juros, o que é positivo, em que balança tem ajudado muito na performance do câmbio, tudo bem parecer que não faz diferença mudar a meta. Mas eu acho que deixa a gente mais vulnerável e isso não pode ser extrapolado para os próximos anos.

Fonte: Broadcast Agro.