28/Mar/2024
A mais recente medida arrecadatória lançada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que atinge 495 empresas do País, é alvo de uma série de ações na Justiça Federal. Os processos dividem o Judiciário, ampliando a controvérsia sobre o tema e inflando o trilionário contencioso tributário. Os questionamentos são feitos por grandes empresas, que se sentem lesadas pela limitação imposta pelo governo à compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais definitivas, ou seja, para as quais não cabem mais recursos. Ao menos cinco decisões já foram publicadas sobre o assunto: duas favoráveis às empresas (envolvendo Pernambucanas e Seara), duas contrárias (movidas pela Lojas Colombo e pela Valgroup) e uma que atende parcialmente aos pleitos, caso da multinacional Nestlé. No total, quatro dessas cinco empresas alegam possuir R$ 941,1 milhões em créditos pendentes de compensação, a maior parte ligada à chamada “tese do século” (julgamento do Supremo Tribunal Federal que excluiu o ICMS, principal imposto estadual, da base de cálculo do PIS e da Cofins, duas contribuições federais).
A Seara não informou na ação o saldo pendente. As empresas solicitam compensações tributárias judiciais quando vencem o governo federal em processos que tramitam na Justiça. Funciona como uma espécie de encontro de contas: as companhias ganham o direito de usar os tributos pagos indevidamente como “crédito” para abater de impostos que ainda têm a pagar ao Fisco. No fim de 2023, porém, o governo mudou essa legislação por meio de uma medida provisória (MP), com o objetivo de elevar o potencial de arrecadação da União e dar maior previsibilidade a essas operações. A MP determina que as conciliações de alto valor (acima de R$ 10 milhões) passem a ser realizadas em um período mínimo de 12 a 60 meses, a depender do montante envolvido. Com essa mudança, as empresas demorarão mais para usar os créditos, o que terá impacto no resultado fiscal do governo. Neste ano, quando a equipe econômica se comprometeu com a meta de déficit zero, a Receita Federal calcula que haverá um incremento de R$ 24 bilhões aos cofres públicos decorrente da nova regra.
Como se trata de MP, o texto já está em vigor, mas terá de ser chancelado pelo Congresso Nacional em um período de 120 dias. Caso contrário, perderá a validade. A restrição às compensações tributárias de empresas tem dividido o Judiciário. Uma delas diz respeito à Seara, subsidiária de aves e suínos da JBS. No fim de fevereiro, a empresa conseguiu uma liminar (decisão provisória) afastando os efeitos da MP do governo. Na decisão, a 14ª Vara Cível Federal de São Paulo, alegou que a nova regra contraria o princípio da reserva legal, que exige que determinadas matérias sejam submetidas ao Poder Legislativo. A MP “outorga ao ministro da Fazenda o poder de fixar o limite mensal para a compensação dos créditos, enquanto tal matéria somente poderia ser tratada por lei”. A varejista Pernambucanas também obteve decisão favorável sobre o assunto, com a concessão de liminar pela 13ª Vara Cível Federal de São Paulo. Foi considerado que a MP viola tanto o direito adquirido do contribuinte quanto a própria coisa julgada, dois elementos previstos na Constituição.
Em síntese, determina que a compensação tributária deve ser executada pelo Fisco com base nas normas em vigor quando da distribuição da demanda, e que aceitar a nova sistemática imposta pelo governo seria “admitir a retroatividade da lei em prejuízo do contribuinte”. Na ação, a empresa alega que possui saldo remanescente de créditos no valor de R$ 337 milhões. A Nestlé, maior empresa de alimentos do mundo, também acionou a Justiça, mas foi atendida apenas parcialmente. A 9ª Vara Cível Federal de São Paulo, determinou que a multinacional poderá compensar os créditos apenas nos casos em que as decisões tenham determinado o regime jurídico a ser aplicado no momento do encontro de contas. No processo, a Nestlé afirma que possui ao menos R$ 453,5 milhões em créditos pendentes de compensação com o Fisco. A Lojas Colombo e a indústria de plásticos Valgroup, por sua vez, tiveram as solicitações rejeitadas pelo Poder Judiciário.
No caso da Colombo, a 2ª Vara Federal de Uruguaiana (RS), afirmou que o pleito da empresa “é eminentemente patrimonial e desprovido da urgência necessária” à concessão de liminar. Na ação, a companhia alegou ter R$ 118 milhões de créditos a serem compensados. No caso da Valgroup, a 2ª Vara Cível Federal de São Paulo destacou que a decisão do STF referente aos precatórios, que determinou que o governo não poderia protelar o pagamento dessas ações, não se aplicava ao processo em questão. Os empresários e representantes dos setores mais atingidos pela nova regra que limita o uso de créditos tributários obtidos por meio de vitórias na Justiça contra o governo afirmam que a iniciativa impacta o planejamento das empresas e reduz a capacidade de investimento. A Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca) afirmou que é o equivalente a um empréstimo compulsório.
O governo diz: ‘Vou pagar com juros, mas só daqui a cinco anos’. Para a entidade, que reúne boa parte das 495 companhias atingidas, a regra cria uma arrecadação “ilusória” e de “curto prazo” para a União. A da Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) afirmou que a medida vai na mesma linha do que o (ex-ministro da Economia) Paulo Guedes fez com os precatórios. Em 2019, o Congresso aprovou uma PEC que limitou o pagamento de precatórios, que são dívidas judiciais da União. O texto ficou conhecido como “PEC do calote” e acabou sendo invalidado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2023. É ruim, porque são os casos que já passaram pela Justiça, e que a Justiça mandou compensar. Um dinheiro que o contribuinte pagou de forma indevida e que o governo precisa ressarcir. Então, não é dinheiro do governo.
Outra crítica é que o peso do ajuste fiscal, que vem sendo feito principalmente pelo lado da receita, recairá, mais uma vez, sobre as grandes empresas. Isso porque os outros três pontos previstos na mesma MP deverão ser anulados e rediscutidos por meio de projetos de lei: extinção de benefício tributário aos municípios, fim do programa de auxílio ao setor de eventos (Perse) e a reoneração da folha de pagamentos de 17 setores (esse já retirado da MP). Para tributaristas acompanham o andamento da MP no Congresso, as alterações promovidas nas regras de compensação ofendem uma série de princípios constitucionais, não devendo, portanto, prosperar. Para o Ministério da Fazenda, a avaliação do tema é completamente distinta. A limitação é vista como uma forma de resguardar a arrecadação federal diante de um aumento vertiginoso no uso desses créditos judiciais. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.