24/Jun/2024
O avanço da extrema-direita nas eleições ao Parlamento Europeu pode complicar as perspectivas para o acordo comercial entre União Europeia (UE) e Mercosul, indica a eurodeputada eleita Anna Cavazzini, do Partido Verde. Embora historicamente defendam o livre-comércio, as forças políticas conservadoras têm enfrentado pressão dos fazendeiros europeus, que temem a concorrência dos produtos agrícolas da América do Sul. "É difícil saber para qual lado eles irão", ressaltou a política alemã. Do outro lado do espectro, os Verdes perderam cerca de 20 assentos em relação ao pleito anterior, de 2019, em meio ao colapso da votação da legenda principalmente na França e na Alemanha. Reeleita, Cavazzini reconhece que a nova composição implica desafios à ambiciosa agenda ambiental da União Europeia, mas diz que pressionará pela manutenção das metas. Nesse sentido, a parlamentar condiciona o apoio à presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, a garantias sobre a manutenção do Green New Deal, um pacote de medidas para lidar com a ameaça das mudanças climáticas. Segue a entrevista:
O que explica o desempenho negativo do Partido Verde nestas eleições?
Anna Cavazzini: Nossas perdas de assentos vieram principalmente de Alemanha e França, onde tínhamos a maior parte dos parlamentares. Como conquistamos muito menos na Alemanha e na França, o número de assentos está reduzido comparado com a última vez. No geral, nos países em que estamos no governo, perdemos. Nós que estamos na oposição, como na Dinamarca, nos tornamos mais fortes. Também teremos, pela primeira vez, parlamentares em Lituânia, Letônia, Eslovênia e Croácia. Então, não podemos dizer que as perdas dos Verdes aconteceram em toda a Europa. Tudo depende de onde você analisa.
Mas nesses lugares em que houve perdas, o que houve?
Anna Cavazzini: Há várias razões. Na eleição de 2019, tivemos uma votação recorde, de 20,5%. Então, já esperávamos alguma redução. Além disso, o clima não está mais no topo da agenda [dos eleitores], porque tivemos muitas outras crises, como a covid-19 e as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio. Na Alemanha, tivemos também uma crise de custo de vida por conta da elevada dependência energética com a Rússia e enfrentamos uma recessão. Temos também o governo de coalizão mais impopular da história da Alemanha. Nada disso nos ajudou - as coisas não são preto no branco, mas absolutamente não estamos felizes com o resultado.
A perda de apoio entre eleitores jovens é uma preocupação?
Anna Cavazzini: Absolutamente. Desde a última eleição europeia, muito por conta da pandemia, os jovens se desmobilizaram e tiveram que ficar em casa no período que costuma ser o melhor de suas vidas. Entre jovens na Alemanha, há um problema de saúde mental e incertezas sobre segurança ou a capacidade de comprar um apartamento. Acho que os verdes não endereçaram isso.
A extrema-direita não vai ter o controle do Parlamento, mas se tornou um grupo muito mais forte. Neste cenário, ainda dá para dizer que o Green New Deal segue na mesa?
Anna Cavazzini: Sim, porque há uma necessidade física de enfrentarmos os danos das mudanças climáticas. Se mais limites do planeta forem ultrapassados, não teremos qualquer chance de cumprir as metas do Acordo de Paris. Mas claro que será bem mais difícil que no último Parlamento. Nós, os verdes, estamos pressionando por uma situação em que só aceitaremos votar pela presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, se ela concordar que o Green New Deal será continuado. Vamos nos aproveitar do fato de que ela precisa de nós para ter uma maioria estável. Os grupos que antes a apoiava não são mais suficientes. Ela precisa dos votos dos Verdes se não quiser trabalhar com a extrema-direita e nossa condição para isso será o Green New Deal.
Mas você vê risco de que o programa seja enfraquecido?
Anna Cavazzini: A grande luta é essa. Os conservadores certamente querem enfraquecê-lo. Uma das principais demandas deles é a reversão do mecanismo que prevê o fim de carros a combustíveis fósseis até 2035. Isso é estúpido. Até mesmo as grandes empresas acham que é tarde demais, porque já vem adaptando todos os processos corporativos para essa estratégia. Por exemplo, uma empresa de bateria desistiu de investir na Alemanha por causa desse vaivém. É contra isso que os verdes vão lutar. Esperamos ter os liberais e os social-democratas em nosso lado, mas eles, às vezes, não são tão claro quanto a isso.
Como fica o futuro do acordo UE-Mercosul no Parlamento renovado?
Anna Cavazzini: É difícil dizer. As pessoas que realmente se importam com o desmatamento podem perder um pouco de força no Parlamento, mas não vão desaparecer completamente. Mas o que está claro é de que os protestos de fazendeiros é uma questão muito mais sensível na direita do Parlamento. E foi esse o lado que ganhou mais assentos no Parlamento Europeu. É uma faca de dois gumes: houve ganhos de conservadores, que geralmente são pró-live-comércio, mas também são pró-fazendeiros. Então, é difícil saber para qual lado irão.
Os verdes fazem parte da coalizão de governo na Alemanha, que terá eleições no ano que vem. Ainda é possível se recuperar?
Anna Cavazzini: Não estamos em uma situação com a da França. Temos um desafio no momento: o governo está em negociações para o orçamento e ainda há um grande gap entre os dois partidos progressistas [que compõem a coalizão governista]. É um problema recorrente deste governo, que tem um partido à direita e outros dois partidos à esquerda. O principal foco do partido à direita (Partido Democracia Livre) é não ter dívida, equilibrar o orçamento e cortar despesas. Estamos em uma situação com a guerra na Ucrânia, que temos que nos recuperar da pandemia e precisamos de garantir grandes transformações.
Fonte: Broadcast Agro.