15/Jul/2024
O think tank Centro de Liderança Pública (CLP) criticou desoneração das carnes e a retirada das armas do Imposto Seletivo na reforma tributária. No caso da proteína animal, a entidade argumentou que, apesar de a carne e o frango estarem mais presentes nas compras domésticas das classes mais baixas, a camada dos 25% mais ricos consome mais “fora de casa”. Carnes, especialmente cortes mais caros e produtos de maior valor agregado, são frequentemente consumidos em maior proporção por indivíduos de classes socioeconômicas mais altas. Nesse caso, a desoneração das proteínas animais favoreceria mais os ricos, por conta do predomínio de consumo não direto. A CPL defende que isentar só o frango teria potencialmente um efeito mais equalizador, por ser um item de maior consumo nas classes mais baixas. A retirada das armas de fogo do Imposto Seletivo contribui com o aumento da violência, pela facilitação do acesso a esses produtos.
A isenção de armas de fogo do Imposto Seletivo parece contradizer não só a vasta literatura científica que liga maior acessibilidade de armas a taxas elevadas de violência, mas também ignora as experiências nacionais anteriores que demonstraram benefícios de políticas de controle de armas. A Câmara dos Deputados aprovou o primeiro projeto de lei que regulamenta a reforma tributária nesta semana. Proteladas há décadas, a modernização e a simplificação da tributação, com a transparência dos incentivos, a não cumulatividade, a migração da incidência dos impostos da origem para o destino e o fim da deletéria guerra fiscal entre os Estados, eram mudanças urgentes e necessárias, méritos que já foram reconhecidos por este jornal. Contudo, a Câmara desperdiçou a melhor chance dos últimos anos de tornar o sistema tributário mais justo e menos regressivo. Oportunidades como essas são raras, mas expõem de maneira cristalina as razões pelas quais o País é um dos campeões mundiais em matéria de desigualdade social e de baixa produtividade. Não é por um acidente de destino.
Debates rasos, expeditos e fechados marcaram muitas das discussões da reforma, especialmente a principal delas: a desoneração da cesta básica. Trata-se de uma medida cara, sem foco e pouco efetiva para a redução da pobreza, o oposto do que preconizam os melhores especialistas em políticas públicas. Manter as proteínas entre os produtos com alíquota reduzida em 60% e que ensejariam a devolução de impostos às famílias inscritas no Cadastro Único era a escolha mais racional e equilibrada, tanto para o público atendido pelos programas sociais do governo quanto para a saúde das contas públicas. À primeira vista, a medida poderia ser considerada impopular, mas havia pesos-pesados da política nacional dispostos a arcar com o ônus de uma decisão tecnicamente correta. Ainda assim, carnes, frango, peixes e queijos de todo o tipo foram incluídos entre os itens que terão alíquota zero para todos os brasileiros, independentemente da renda, por 477 votos a 3. Governo e oposição disputam a autoria por uma medida na qual quem venceu foi o populismo suprapartidário e supraideológico. Quem perdeu foi o País, especialmente as famílias mais vulneráveis, cujo reduzido poder de compra foi instrumentalizado em nome de outros interesses.
Cada escolha é uma renúncia, e esta terá uma consequência incontestável: a elevação da alíquota padrão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que, tudo indica, será a mais alta entre os países que utilizam esse sistema tributário, à frente de muitos países ricos conhecidos por serviços públicos universais e de qualidade. Cálculos do Ministério da Fazenda apontavam que a alíquota média do IVA seria de 26,5%, e que esse percentual subiria 0,53% caso as proteínas ficassem livres de impostos. Como essa e muitas outras distorções receberam amplo apoio dos deputados, o IVA médio será de 27,2% e, no limite, poderá atingir até 27,4%, segundo estimativas do economista e tributarista Eduardo Fleury. Como contrapartida à inclusão das proteínas, a Câmara adicionou no texto uma suposta trava para impedir que a alíquota padrão ultrapasse os 26,5%. Esse dispositivo teria dado conforto aos parlamentares para relaxar e aceitar as diversas exceções. Conforme a regra da tal trava, se a alíquota passar do teto será preciso cortar algum benefício a partir de 2033, quando a reforma entrará plenamente em vigor.
Ora, os deputados podem ser chamados de tudo, menos de ingênuos: não há garantia nenhuma de que esse limite será respeitado ou de que haverá qualquer punição caso não seja. A desmoralização do teto de gastos e do arcabouço fiscal deveria bastar como prova disso. Além do mais, a atual carga tributária, já bastante elevada, já não é suficiente para cobrir todas as despesas há mais de dez anos. A tendência é a de que esse desequilíbrio fiscal se acentue no futuro. Sem reformas que revejam os gastos, não haverá alternativa que não passe pelo aumento de impostos, medida que acentuará tanto a falta de competitividade do País quanto a péssima percepção sobre a qualidade dos serviços públicos. Que fique claro: a reforma tributária é fundamentalmente boa, sobretudo quando comparada ao manicômio que ela substituirá, mas poderia ter sido melhor. A Câmara dos Deputados, que deveria representar o povo, lamentavelmente mostrou não estar à altura desse debate. Que o Senado tenha a coragem de enfrentá-lo.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou em relação à inclusão da carne na cesta básica desonerada que, na sua posição, a tendência é ser derrotado em disputas políticas. "O ministro da Fazenda ou é derrotado ou é parcialmente derrotado, não existe alternativa para ele ganhar nunca", disse, acrescentando: "Fui parcialmente derrotado, mas fui o único que conseguiu cobrar alguma coisa". Ele ponderou que a União não cobra imposto sobre a carne, há incidência de tributos estaduais e reiterou que considerava o cashback uma opção melhor. Ele pontuou que, no Brasil, são os mais ricos que se sentem mais injustiçados, e citou como exemplo a cobrança de imposto de renda em fundos exclusivos e offshore e ainda afirmou que os ricos que têm filhos estudando em Princeton são os que mais se sentem prejudicados.
"Deixa o pobre pagar imposto sobre a carne para financiar os ricos que estão fora do Brasil", criticou. "Quem está mal-acostumado aqui infelizmente é a elite", disse. O ministro defendeu que é preciso enfrentar essas questões ou "vamos ver injustiça na rua o dia inteiro". Ao comentar sobre a reforma tributária, Haddad reforçou que existem apenas três formas de se reduzir a alíquota padrão do novo Imposto sobre Valor Agregado (IVA): permitir o mínimo possível de exceções à alíquota-padrão, combater a sonegação, ou tributar a renda, como faz os países membros da OCDE. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.