ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

29/Jul/2024

Entrevista com Marcio Pochmann - presidente IBGE

O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, diz que o órgão está trabalhando em 17 novas pesquisas para a segunda metade desta década, mas precisa reforçar o seu orçamento em milhões de Reais para colocá-las em prática. Os benefícios vão desde a ampliação da base de informações trabalhadas pelo instituto até aprimoramentos em como a inflação é medida no País. Mas, para isso, o IBGE precisa ir a campo já neste ano.

"Por isso, a urgência e a pressão para termos recursos orçamentários", afirma Pochmann. Crítico do receituário neoliberal, ele diz que o modelo deixou uma "herança" negativa à medida que diminuíram os recursos destinados às pesquisas no Brasil. Ele afirma que a sua gestão está reconstruindo o IBGE que deve entregar 314 pesquisas neste ano. Além disso, quer avançar em demandas como a integração da base estatística no Brasil e na gestão da enormidade de dados que circulam nas redes, alguns dos focos de uma conferência que o IBGE realiza nesta semana. Segue a entrevista:

Qual o plano de trabalho do IBGE à frente?

Marcio Pochmann: Estamos trabalhando com 17 novas pesquisas para a segunda metade desta década. Por isso, a urgência e a pressão para termos recursos orçamentários. Na pesquisa de orçamento familiar, que acompanha 103 mil famílias durante 12 meses para saber o que as pessoas compram, onde compram, queremos averiguar o uso do tempo livre. É uma pesquisa nova e precisaria começar no último trimestre deste ano para terminar no ano que vem.

Como essa nova pesquisa pode agregar?

Marcio Pochmann: vamos saber como as pessoas consomem o seu tempo quando vão para casa. São informações que ajudam, por exemplo, a definir a nova estrutura de coleta de preços e de produtos para a inflação, o IPCA, e as condições de nutrição e de saúde da população. A última foi feita em 2017. Outra pesquisa nova é o censo agropecuário florestal equícola. É o 12º censo, o primeiro foi feito em 1920, então vamos ter um século de informações referentes à situação agrária. Deverão ser visitados cerca de 5 milhões de estabelecimentos no País.

Como o IBGE vai viabilizar essas pesquisas com problemas no orçamento, em um momento que o governo tenta cortar gastos para cumprir as metas fiscais?

Marcio Pochmann: A gente introduziu uma orientação de redução de custos, começando justamente por redução de aluguéis. No ano passado, o gasto foi de R$ 30 milhões. A sede do IBGE é em Brasília, mas são 27 superintendências e 567 agências. São quase 11 mil servidores. Nosso foco é encontrar locais públicos, cedidos, que reduzam essa questão de custos, por exemplo. Mas, obviamente, isso não é suficiente e, por isso, estamos pleiteando uma suplementação orçamentária.

De quanto?

Marcio Pochmann: Só para pesquisa, é algo em torno de R$ 40 milhões, porque também tem a sugestão de pesquisa junto ao Rio Grande do Sul, pelo menos nas áreas atingidas, para acompanhar melhor os efeitos das enchentes.

E já tem apoio em Brasília?

Marcio Pochmann: A POF (Pesquisa de Orçamento Familiar), por exemplo, interessa ao Banco Central, ao Ministério da Fazenda, de Desenvolvimento Social, da Saúde, do Planejamento. Há uma compreensão a respeito da necessidade desse recurso pelo menos para viabilizar o começo dessa pesquisa. Nós temos também o apoio da bancada do agronegócio. Então, acho que teremos possibilidades de viabilizar.

Como todos esses dados podem aperfeiçoar a visão sobre a inflação, as expectativas do mercado?

Marcio Pochmann: A gente tem que preparar a instituição para dar respostas mais rápidas. Temos o PIB Nacional, queremos fazer também o PIB dos estados, dos municípios mais rápido. Não pode ter a informação do PIB dois anos depois. Os técnicos precisam de melhores condições para poder trabalhar. Esse é o esforço que estamos fazendo para modernizar o IBGE, com credibilidade, por isso, rigor estatístico sempre. Eu não tenho intervenção nenhuma, só recebo as informações no mesmo dia que vai ser divulgado.

O senhor é um crítico do modelo neoliberal. Na sua visão, a base de estatística brasileira tem esse viés mais neoliberal e deveria ser aperfeiçoada para um modelo mais desenvolvimentista?

Marcio Pochmann: Não. A crítica, na verdade, é ao receituário neoliberal em relação ao comportamento da economia, do governo de maneira geral. Mas sobre estatística, não acredito que tenha. A visão neoliberal fez com que a gente tivesse um censo com menos recursos, menos capacidade de realizar uma operação estatística de grande porte, que poderia ter trazido muito mais informações. Mas a gente deixou de perguntar por que o orçamento foi muito contido, as condições dificultam o IBGE de chegar na casa das pessoas e ter acesso a informações melhores.

Qual a sua visão do ciclo dos preços no Brasil, considerando o contexto local e externo?

Marcio Pochmann: O que aconteceu no Brasil desde que ingressou na globalização foi uma mudança na estrutura de formação de preços. Hoje, há uma forte dependência do exterior. O Banco Central é o único que opera com um instrumento [de controle da inflação] que é a taxa de juros. É função dele atuar nesse sentido, certo ou errado. Mas eu penso que o governo federal, na verdade, dado essa mudança na estrutura de preços no Brasil, poderia também contribuir no que diz respeito à formação de preços seja com estoques reguladores, por exemplo, para evitar a oscilação de preços. Então, tem possibilidades. Na verdade, a questão da inflação, praticamente, é deixada na mão do Banco Central.

O senhor comentou em um tweet que o juro real no Brasil continua "exorbitante". A inflação no Brasil comporta mais reduções nas taxas?

Marcio Pochmann: O meu comentário foi em relação ao debate que é feito no Brasil, que é fundamentalmente sobre o juro nominal. Acho que tem que ser feito sobre o juro real. De fato, caiu o juro nominal, mas a inflação caiu mais rápido. Portanto, o juro real não se alterou. E é esse que, para mim, é o componente da decisão do investimento do empresário.

Para ter um juro real menor, as taxas deveriam cair mais?

Marcio Pochmann: Não cabe ao presidente do IBGE ficar falando sobre conjuntura, sobre os preços ou seus indicadores. Nosso papel é produzir e entregar e a sociedade que avalia.

No mesmo comentário sobre o juro real, o senhor também disse que o receituário neoliberal joga água no moinho nazifascista remodelado. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem sido de alguma forma capturado por esse redemoinho?

Marcio Pochmann: Eu estava me referindo à Europa, porque, para mim, a parte importante que explica a efervescência do nazifascismo dos anos 20 e 30 na Europa tem a ver com o receituário liberal. O receituário neoliberal está levando à emergência da extrema-direita. Por quê? Porque a democracia permite que políticos se apresentem oferecendo determinadas propostas que, posteriormente, o receituário neoliberal não permite executar. E isso vai gerando uma espécie de descrédito em relação à política: "é tudo igual. Fala e não faz".

Mas a gente vê isso no Brasil...

Marcio Pochmann: Mas não só no Brasil. Essa é uma questão do Ocidente.

Fonte: Broadcast Agro.