23/Aug/2024
A visão recorrente de que o patamar da taxa básica de juros (Selic) tem limitado o crescimento da economia estão descoladas da realidade do crédito às famílias. Depois da forte deterioração provocada pela pandemia de Covid-19, que aumentou o endividamento e a cautela dos bancos, os números mostram que houve uma forte melhora nas condições financeiras para os consumidores nos últimos meses. Enquanto o saldo do crédito livre (total de recursos emprestados) atingiu 18% do PIB pela primeira vez na série iniciada em 2007, as concessões (novos empréstimos) dispararam 11,2% nos 12 meses encerrados em junho. A taxa média de juros cobrada das famílias caiu 7,4% no período de um ano (de 59,1% para 51,7%), com redução de 7,2 pontos do spread (de 47,4% para 40,2%), que mede a diferença entre a taxa que os bancos pagam para captar recursos e a taxa cobrada para emprestar aos clientes. A inadimplência também diminuiu, voltando a níveis de 2021, e o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas, e com os juros, é o menor desde 2022.
Segundo a Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi), pelo menos três fatores explicam o bom momento do crédito às famílias. Houve recuperação de empréstimos dados como perdidos pelos bancos, criação de novos produtos financeiros, com menor risco, e uma mudança no perfil do tomador, favorecido pelas melhores condições do mercado de trabalho. A condição do crédito este ano é muito melhor do que no ano passado. O balanço dos bancos está mais limpo, novos produtos financeiros foram criados e o consumo das famílias está forte. Será um dos grandes motores do PIB deste ano. A base de tomadores também aumentou, o que permitiu a expansão do crédito. Na visão do Ministério da Fazenda, uma parte dos números favoráveis no mercado de crédito reflete ações tomadas pela Pasta, como a aprovação do projeto do Marco das Garantias, que desburocratizou e facilitou a retomada de bens inadimplentes por parte dos bancos. O Marco das Garantias foi muito importante, porque ajudou a diminuir a taxa de juros e a aumentar as concessões.
Os bancos estão oferecendo novas modalidades de crédito, como a que permite ao consumidor dar o próprio imóvel como garantia. Isso faz com que os juros fiquem mais baixos na ponta. Os financiamentos para a compra de veículos dispararam 31% nos últimos 12 meses. Olhando apenas para o mês de julho, o crédito automotivo somou R$ 16,82 bilhões, contra R$ 12,7 bilhões do mesmo mês do ano passado, uma alta de 32%. Segundo a Fundação Getúlio Vargas (FGV), os financiamentos têm sido um dos pilares para a expansão do consumo das famílias. No último estudo, de julho, a projeção de crescimento do PIB do segundo trimestre foi revisada, de 0,5% para 0,7%, em relação ao primeiro, e foi elevava a estimativa para o ano, de 2% para 2,2%. Renda e crédito sustentaram a melhora. Pelo lado da demanda, os destaques do segundo trimestre foram os mesmos do primeiro trimestre: o consumo das famílias e o investimento. O consumo continua sustentado pelo crescimento da renda, em função de um mercado de trabalho aquecido e das políticas de transferência de renda em expansão, além das condições favoráveis do crédito às famílias.
Pelos dados do Banco Central, a concessão de empréstimos para a aquisição de "outros bens", ou seja, que não são veículos, subiu 12,6% no segundo trimestre, em relação ao primeiro. O mercado de crédito tende a se expandir quando a inflação está em convergência para a meta, o que dá mais confiança aos bancos e aos consumidores. Se a inflação está baixa, as pessoas tendem a tomar mais crédito, porque elas não vão comprometer uma parte da renda com produtos mais caros. Há um melhor gerenciamento dos recursos pelas famílias. E os bancos passam a enxergar um ciclo de cortes da Selic pelo Banco Central. Para a Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), o mercado de trabalho também é um elemento fundamental para a melhora. Realmente tem sido uma surpresa, ao contrário do que se esperava, pela parte fiscal e monetária. No começo deste ano, quando o Banco Central falava em desemprego de 8%, a estimativa da entidade era de que estaria mais próximo de 7%. Agora, está em 6,9%, e há Estados como Santa Catarina e Mato Grosso com taxas na casa dos 3%.
Durante a pandemia, o endividamento das famílias disparou: saiu de 41,55% da renda anual, em março de 2021, para 49,92% em julho de 2022, o pior momento da série. De lá para cá, houve uma queda lenta, mas progressiva, para 47,5%, o menor número desde setembro de 2021. Houve efeitos do programa Desenrola, que permitiu a renegociação de dívidas entre bancos e consumidores da baixa renda. Pelas estimativas do Ministério da Fazenda, 15,06 milhões de pessoas renegociaram R$ 53,07 bilhões em dívidas, valor que corresponde a 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB). O limite para endividamento no rotativo do cartão de crédito também ajudou. O Desenrola foi muito positivo: reduziu bastante a inadimplência na faixa de renda atingida pelo programa. E teve outra medida que relevante que é o teto do cartão de crédito. Embora não tenha tido redução dos juros, ele pôs um limite ao endividamento, que não vira mais “bola de neve”; a dívida pode no máximo dobrar. Isso faz os bancos oferecerem outros produtos financeiros aos clientes, de mais longo prazo. Quem deve R$ 2 mil não vai passar a dever R$ 20 mil.
O Marco das Garantias foi positivo, embora o seu efeito sobre a economia seja mais gradual. O Marco das Garantias dá segurança a quem concede o crédito. Também é preciso educar o tomador, porque se ele achava que não ia perder o seu bem, agora vai perder. No Desenrola, há quem aposte que os bancos adotariam as medidas de renegociação de toda forma. Mas foi importante, porque há a propaganda do governo, chama as pessoas para irem aos bancos, que estão mais dispostos. Em maio deste ano, o comprometimento da renda das famílias com juros caiu ao menor patamar desde julho de 2022, com 8,98% do orçamento mensal consumido por esse tipo de despesa. Em julho de 2023, o pior momento da série, era de 9,76%. Chama atenção a redução de 7,2% do spread bancário. Dois terços da composição do spread são explicados pelo risco para os bancos, a baixa concorrência do sistema financeiro nacional, o peso dos tributos e a margem das instituições. A taxa Selic, por sua vez, explica apenas um terço do spread. A tendência é concentrar muita atenção nesse um terço do spread, que tem referência na Selic, e se esquece de discutir o estrutural, que são dois terços.
A reforma tributária vai ter um impacto muito importante sobre os impostos cobrados do setor financeiro, e medidas como o Marco das Garantias vai diminuir o risco para os bancos. Agora, as famílias podem oferecer seus planos de previdência como garantia (cerca de R$ 1 trilhão em depósitos), o que diminuiu o risco para os bancos. Os cartórios também passaram a atuar na cobrança de dívidas, o que acelerou o processo, antes concentrado no Poder Judiciário. Há preocupação com o risco de o Banco Central iniciar um novo ciclo de alta da taxa Selic, pois isso pode levar a uma queda abrupta das concessões de crédito. Se o Banco Central subir a taxa Selic em 0,25% em setembro, e mais 0,25% na outra reunião, o crédito seca e será muito mais seletivo. Não dá para o sistema financeiro correr o risco de não receber. Os bancos precisam emprestar, mas vão emprestar para o governo. Os juros reais vão subir para a casa de 7%. Por outro lado, a aprovação das medidas estruturais são uma espécie de anteparo em caso de um novo ciclo de alta. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.