03/Sep/2024
Pesquisa feita pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC) e pela AGP mostra a atração despertada pelas apostas online. De 1.337 entrevistados, 38% confirmaram ser apostadores online; desse total, 51% responderam que fazem pelo menos um jogo na semana, enquanto quase metade (49%) reconheceu ter aumentado o volume de apostas neste ano. O dado que chama mais atenção é de que 63% tiveram, pelo menos uma vez, sua renda principal afetada por causa do gasto com bets. Quem apostou deixou de direcionar o dinheiro para outro fim. O segmento que mais perdeu vendas para as apostas esportivas online foi o de acessórios, incluindo calçados, bijuterias, bolsas e joias, por exemplo: 24% dos entrevistados informaram que deixaram de comprar acessórios para apostar. Na sequência, aparecem artigos de vestuário (23%), itens de supermercado (19%), viagens (19%), alimentação fora de casa (15%), produtos de higiene e beleza (14%), cuidados com a saúde e medicações (11%) e contas de água, luz e gás (11%).
São resultados relevantes para a economia. Segundo o Instituto Jogo Legal, que representa o setor, o mercado de apostas chegou ao estágio atual em razão da falta de regulamentação no prazo previsto. Na proposta original, de 2018, o segmento deveria ter sido regulado dentro de dois anos, com prazo prorrogável por mais dois, mas isso só ocorreu agora. Um levantamento da Strategy& Brasil, consultoria estratégica da PwC, mostrou que o maior impacto das bets no orçamento familiar ocorre nos gastos com esportes, lazer e cultura, para alcançar depois outras despesas discricionárias, como cabeleireiro e vestuário. O terceiro item mais afetado é alimentação, com substituição de marcas. Projeções feitas com base na Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE e em pesquisas paralelas mostram que a parcela dos gastos com apostas (incluindo os jogos online) na renda familiar passou de 0,2%, em 2018, para 0,7% em 2023.
A categoria equivale agora a 38% de todo o valor gasto com lazer e cultura (ante 10% em 2018) e 4,4% das despesas com alimentação (ante 1,5% em 2018). Segundo estudo feito pela empresa de pesquisas Hibou, consultando 2.839 pessoas em agosto deste ano, o gasto mensal do brasileiro com apostas online varia de R$ 100,00 e R$ 500,00. Em jogos online, como o "jogo do Tigrinho" (Fortune Tiger), 78% afirmaram não saber quanto já gastaram. Seja no campo de futebol, na camisa dos jogadores, nas propagandas de rádio e TV ou nas redes sociais, as plataformas de apostas online, as bets, se tornaram onipresentes no Brasil. Segundo projeções da Strategy& Brasil, no ano passado, as cerca de 300 empresas do segmento movimentaram entre R$ 60 bilhões e R$ 100 bilhões, quase 1% do Produto Interno Bruto (PIB). O movimento acendeu um alerta no Banco Central, nos bancos e nas empresas, que temem que o dinheiro usado em apostas diminua a renda disponível para consumo e pagamento de dívidas.
Pelos dados disponíveis, hoje, o setor de bets gira mais capital por ano do que grandes empresas, como Santander (R$ 74 bilhões), Assaí (R$ 72,8 bilhões), Gerdau (R$ 68,9 bilhões) e Magazine Luiza (R$ 63,1 bilhões). Do total movimentado em 2023, entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões deixaram de ser gastos com bens e serviços (ou investidos em alguma aplicação). Em casos mais drásticos, os gastos com apostas levaram ao endividamento. Hoje, o Brasil já é o terceiro maior mercado de apostas online do mundo. Para o próximo ano, o faturamento com o jogo online deve alcançar R$130 bilhões no País. As estimativas são feitas com base em vários dados de diferentes fontes, como as remessas ao exterior de recursos das bets registradas no Banco Central, o número de apostadores, o valor médio e a frequência das apostas, assim como estimativas de quanto as empresas de jogos esportivos online desembolsaram com marketing, por exemplo.
Em 2020, antes mesmo da regulamentação das casas de apostas, o País já contava com 51 marcas, com movimentação de R$ 10 bilhões. Hoje, as estimativas do setor dão conta de que existem, ao menos, 2 mil. Para especialistas, essa rápida expansão pode explicar resultados aquém do esperado no comércio. Hoje, apesar do desemprego em baixa, da renda em alta e da inflação mais controlada, as condições favoráveis na economia não têm se traduzido em avanço do consumo. Os varejistas não estão sentindo o impacto esperado de aumento do consumo para itens de vestuário e alimentos. O Banco Central e instituições financeiras estão alertas com o crescimento do mercado de apostas online. Para o Banco Central, recursos destinados às bets podem interromper a queda dos níveis de endividamento, que vêm recuando, ainda que lentamente, nos últimos meses.
Na visão da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), há uma "bomba-relógio" contratada sobre as finanças de milhões de famílias, o que, em última instância, levaria os bancos a ficarem mais seletivos na concessão do crédito, com encarecimento de diversas linhas. O diretor de Política Monetária do Banco Central, Gabriel Galípolo, indicado para assumir a presidência do Banco Central, afirmou que o aumento da renda, sem acompanhamento da poupança e consumo, pode estar vazando para as bets. Relatos de preocupações de bancos e redes de varejo já haviam chegado ao Banco Central. O entendimento é de que a regulação desse segmento cabe ao Executivo, e não à autarquia; mas a avaliação é de que a situação é grave e demandaria medidas "enérgicas" de políticas públicas, como campanhas estruturadas de conscientização. Para o Banco Central, a principal preocupação é de que isso possa aumentar a inadimplência.
Em postagem nas redes sociais no dia 20 de agosto, o Banco Central abordou o tema de forma crítica. Em um vídeo, é feita a seguinte pergunta: "Você prefere guardar um pouco do salário para viajar com a galera no carnaval ou gastar tudo no 'jogo do Tigrinho'?". Um interlocutor responde que o melhor é focar no carnaval. Na sequência, a representante do Banco Central fala: "Ótima escolha, até porque, no 'jogo do Tigrinho', você nunca ganha". O Ministério da Fazenda afirmou que a legalização das bets ocorreu em 2018, mas sem a sua devida regulação. Isso permitiu um crescimento descontrolado das apostas, com agentes operando fora do território nacional, e grupos praticando fraudes e delitos como lavagem de dinheiro. Desde janeiro de 2024, o Ministério da Fazenda tem intensificado o processo de regulação. Para isso, criou uma Secretaria própria, que já editou 10 Portarias temáticas, tratando, dentre outros, da regulação de meios de pagamento (com proibição de uso de cartão de crédito e restrição ao uso de instituições financeiras e de pagamentos autorizadas pelo Banco Central, por exemplo).
O entendimento da Secretaria de Apostas Esportivas (SAP) é de que isso irá afastar grupos criminosos, de um lado, e trazer regras para proteção dos apostadores. Os consumidores deverão ser informados (tanto por campanhas educativas, quanto na própria relação com as casas de apostas) que apostar deve ser entendido como mero meio de entretenimento, não como complemento de renda ou investimento, e que tais gastos não podem colocar sua saúde mental e financeira em risco. Nas últimas semanas, os bancos Santander e Itaú divulgaram estudos sobre o tamanho dos gastos das famílias com as bets, e redes de varejo e supermercados apontaram que houve redução de consumo em função desses gastos. Para a Febraban, há uma bomba-relógio, com impacto sobre o orçamento das famílias, com aumento do endividamento, e piora da saúde financeira e mental das pessoas. A Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento (Acrefi) afirmou que o assunto foi tratado em reunião mensal do órgão.
Há preocupação realmente sobre a extensão do comprometimento da renda com diversão ou lazer. Foi ressaltada a importância de se ter campanhas de conscientização. O momento lembra o fenômeno dos bingos e caça-níqueis de anos atrás, só que agora há uma capilaridade muito grande, porque é online. Atinge até crianças e adolescentes, que é outro ponto que preocupa. O Instituto Locomotiva tem estudo mostrando que 25 milhões de brasileiros apostaram nos últimos seis meses, e 86% dos apostadores já estão endividados. A Febraban defendeu a proibição imediata do uso de cartões de crédito para o pagamento de jogos de apostas online. Desde abril, uma portaria do Ministério da Fazenda já determina essa proibição, mas as empresas só serão obrigadas a cumprir a regra a partir de janeiro de 2025. É preciso antecipar essa limitação, porque há uma preocupação crescente no setor financeiro sobre o potencial efeito das bets no endividamento e no aumento da inadimplência das famílias.
O governo deveria usar todos os meios legais para proibir, imediatamente, o uso do cartão de crédito para a realização dos jogos. A proibição feita ainda não está sendo observada. O cartão é um produto fundamental e seu uso para apostas vai afetar bastante o consumo das famílias e a economia. Pela portaria do Ministério da Fazenda, os apostadores só poderão realizar as apostas por meio de pagamento instantâneo, como Pix, TED, cartão de débito ou pré-pago. O cartão de crédito é um estímulo ao superendividamento. Uma coisa é fazer a aposta com Pix ou cartão de débito. A pessoa vai fazer, mas só vai usar o que está na conta. O cartão, ao contrário, é endividamento para o futuro. O cartão de crédito é um convite à ‘bola de neve’ do endividamento. O crescimento desse tipo de jogo de azar tem assumido proporções alarmantes e gigantescas, que vão se transformar em uma "tragédia anunciada". Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.