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11/Nov/2024

Brasil e EUA: relação após eleição de Donald Trump

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, precisa pensar como um habitante do planeta Terra ao tomar medidas relacionadas ao meio ambiente. Lula deu a declaração depois de questionado se achava que Trump tiraria os Estados Unidos do Acordo de Paris de novo, como fez em seu primeiro governo. Os Estados Unidos são o país mais rico e mais poderoso do mundo, mas isso não impede que os norte-americanos também sofram as consequências das mudanças climáticas. Lula defendeu que todos tenham responsabilidade pela preservação do planeta, e mencionou a meta de aquecimento máximo de 1,5°C, presente no Acordo de Paris. As declarações foram dadas no momento em que o governo brasileiro busca construir uma relação pragmática entre Lula e Trump.

Em campos políticos opostos, eles têm um histórico de críticas um do outro. A vitória do norte-americano com desempenho acachapante motivou cautela do Brasil. A chancelaria brasileira interpreta que tanto Lula quanto Trump já vestiram antes o figurino “pragmático” nas relações internacionais, ao exercerem a diplomacia presidencial. Eles acreditam que possam adotar um diálogo produtivo, a despeito do choque ideológico. Ao mesmo tempo, membros do governo brasileiro lembram que a relação de 200 anos dos dois países ultrapassa a diplomacia presidencial, que as burocracias de Estado cooperam independentemente da amizade entre seus governantes. Há um intercâmbio de interesses privados, empresários e grupos de pressão, organizados em associações, que poderão destravar o diálogo.

Os Estados Unidos são o maior investidor externo no Brasil, com estoque de US$ 230 bilhões; o segundo maior parceiro comercial, com fluxo de US$ 75 bilhões, e abrigam a maior comunidade brasileira no exterior, com 2 milhões de pessoas. Os contatos para estabelecer um canal entre ambos foram centralizados na diplomacia norte-americana. Nos últimos meses, a embaixada brasileira reforçou laços, buscou aproximação entre os dois lados e acompanhou de perto a campanha. A embaixadora Maria Luiza Viotti participou pessoalmente da negociação e atuou nos contatos com o comitê de Donald Trump. A expectativa do lado brasileiro é de que um primeiro telefonema entre eles possa ocorrer dentro de algumas semanas. A interação será destravada depois que Trump indicar nomes e estabelecer poderes na sua equipe de transição.

Uma das maneiras de estreitar a relação foi o relançamento oficial, em fevereiro, da frente parlamentar Brasil-EUA no Congresso norte-americano. Ela é copresidida pelo republicano Lance Gooden (Texas) e pela democrata Sydney Kamlager-Dove (Califórnia). Outro possível canal são as comissões de Relações Exteriores da Câmara e do Senado dos Estados Unidos, nas quais congressistas ligados a Trump são protagonistas. Diplomatas afirmam que o presidente Lula já sinalizou disposição política com a mensagem felicitando Donald Trump. Eles apostam que ambos terão interesse em manter uma boa relação. Eles lembram que nem com Joe Biden houve sempre concordância. Os Estados Unidos se irritaram, por exemplo, com declarações do petista comparando a ação militar de Israel em Gaza ao Holocausto.

Além disso, Lula autorizou que dois navios de guerra iranianos, incluídos na lista de sanções dos Estados Unidos, aportassem no Rio de Janeiro, em 2023, apesar da pressão do governo norte-americano. No governo brasileiro, há quem lembre que Lula desenvolveu uma proximidade com o ex-presidente republicano George W. Bush, apesar dos embates geopolíticos entre eles. A diferença agora é que a oposição a Lula, exercida pelo bolsonarismo, tenta colar sua imagem em Donald Trump. Outra possibilidade seria estender o convite à cúpula do G20 no Rio de Janeiro a Trump ou a um representante do futuro governo. Nesse caso, diplomatas destacam a necessidade de um entendimento entre Biden e Trump. Embora seja identificado como isolacionista e contra o multilateralismo, Donald Trump sempre participou de todas as cúpulas do G20 no seu primeiro mandato.

A palavra de ordem no governo brasileiro é tentar colocar as diferenças de lado e evitar provocações. O recado ficou explícito na mensagem oficial do presidente Lula: “Meus parabéns ao presidente Donald Trump pela vitória. A democracia é a voz do povo e ela deve ser sempre respeitada”, afirmou Lula, nas redes sociais. Na esfera comercial, as atenções do Brasil envolvem o possível tarifaço prometido por Trump. Ele já ameaçou, durante seu primeiro mandato, impor tarifas sobre aço e alumínio brasileiros. O republicano “tende a ser protecionista, mas pragmático” e um indicador importante para verificar o potencial de atritos será a existência de superávit com os Estados Unidos. No caso do Brasil, a balança é deficitária: o País importa mais do que exporta aos Estados Unidos.

A ordem no governo brasileiro é dar declarações otimistas. Mas, se Trump adotar algumas medidas prometidas, a redução da taxa de juros nos Estados Unidos pode ficar prejudicada no fim de 2025. Diante desse cenário, a tendência é que a alta dos juros chegue ao Brasil justamente em 2026, quando Lula pretende concorrer à reeleição. A leitura política de governistas é a de que Donald Trump pode fortalecer o bolsonarismo. Inelegível até 2030, Bolsonaro está convencido de que conseguirá derrubar essa restrição e tenta se manter em evidência para controlar a direita. Partidários do ex-presidente esperam que Donald Trump exerça pressão por ele, principalmente sobre o Supremo Tribunal Federal (STF).

Assim, o retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, com todas as diferenças, fricções e incertezas políticas que o regem, exigirá do governo do presidente Lula da Silva uma demonstração exemplar de maturidade e pragmatismo, atributos que historicamente marcam a diplomacia brasileira. O principal desafio de Lula será não ceder aos ruidosos apelos de sua militância. Os primeiros sinais emitidos pelo Palácio do Planalto parecem razoavelmente auspiciosos. O presidente brasileiro foi rápido e correto ao cumprimentar publicamente Donald Trump pela vitória. O tom conciliatório já o distancia, de partida, da demora infantil adotada pelo Brasil quando Joe Biden derrotou Trump, quatro anos atrás.

O ex-presidente Jair Bolsonaro e o Itamaraty, sob a liderança constrangedora do chanceler Ernesto Araújo, levaram longos 28 dias para reconhecer e parabenizar o presidente eleito, uma tardança que levou o Partido Democrata a tratar o Brasil com indiferença. Como se sabe, sob as ordens de Bolsonaro e a diligente condução de seu chanceler, a política externa era empreendida para livrar o Brasil do “jugo esquerdista”, do “marxismo cultural” e do “globalismo”, algo que colocou o País na inédita posição de pária no cenário internacional. Descontado o receio natural de que a nova gestão de Trump permita avançar a extrema direita internacional, impulsione novos ventos autocráticos mundo afora e promova recuos em temas-chave como meio ambiente, cooperação científica, ações humanitárias e comércio, é o momento de evitar conclusões políticas açodadas.

O Brasil tem a necessidade de preservar seus laços diplomáticos e comerciais com as principais potências, mesmo diante de um cenário geopolítico marcado por tensões crescentes entre os Estados Unidos e a Europa, de um lado, e a China e a Rússia, de outro. A história recente sugere o valor do pragmatismo, especialmente porque a relação comercial entre norte-americanos e chineses se tornou a espinha dorsal da economia global. O Brasil ganhará se o presidente Lula mantiver os interesses do País acima das preferências de sua base ideológica. Isso não evitará as muitas diatribes que se esperam do irascível Trump, mas ajudará a conter muitos danos. No meio da rinha ideológica e retórica, é o Brasil quem terá mais a perder. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.