12/Nov/2024
É difícil se equilibrar na lancha da Marinha enquanto os fuzileiros navais fazem a patrulha a cinco metros de distância. Eles querem saber por que o barco não respondeu aos chamados de rádio. A blitz fluvial rastreia suspeitos no coração da Amazônia. O corpo todo balança no ritmo das águas claras da principal “estrada” de Roraima, o Rio Branco. O calor é úmido, piorado sob o colete à prova de balas e o capacete. A lancha Excalibur é blindada, usada principalmente para proteger a tripulação à noite. Uma dúzia de agentes carregam metralhadoras e fuzis. (Por isso os barqueiros não costumam reagir). A ação ocorreu nas proximidades no Rio Catrimani, rota das balsas do garimpo ilegal para se infiltrar na Terra Yanomami, a maior reserva indígena do País. A abordagem da Marinha é rápida. As respostas dos donos do barco não convencem. A embarcação é escoltada para um interrogatório no navio-patrulha Raposo Tavares.
O gigante de 60 metros tem o apelido de Leão dos Rios, mas se move sem barulho no silêncio da mata. A movimentação da Marinha faz parte da Operação Catrimani II. Coordenada pelo Ministério da Defesa, a ação reúne as três Forças Armadas de forma integrada, com a colaboração da Casa de Governo de Roraima, vinculada à Casa Civil da Presidência da República. É uma operação de guerra no maior território indígena do Brasil em extensão territorial, com 9,5 milhões de hectares ou 192 mil Km², mais que o dobro da área de Portugal. Ali vivem quase 30 mil indígenas em mais de 370 comunidades. No total, são 800 militares mobilizados na ação. Programada para ocorrer até 31 de dezembro, a operação recebe o nome do Catrimani, um dos cursos d’água mais afetados pelo garimpo. Na língua Yanomami, o rio se chama Wakatha u, e waka é o nome dado ao tatu-canastra, espécie ameaçada de extinção. A primeira fase da operação, de janeiro a março, enviou 360 toneladas de suprimentos para 236 comunidades indígenas.
A segunda fase está em curso e já destruiu 333 acampamentos de garimpeiros e apreendeu 76 armas. Até o dia 10 de outubro, foram registradas 12.732 abordagens realizadas pelos militares, resultando em 124 prisões, de acordo com dados do Ministério da Defesa. A Terra Yanomami enfrenta crise sem precedentes. A área é alvo da mineração ilegal de ouro desde os anos 1980. Mas, nos últimos anos, a busca pelo minério se intensificou. Em 2022, o garimpo chegou a 80 mil pontos em uma área de 241 mil hectares, de acordo com dados do MapBiomas. A invasão garimpeira contamina os rios com mercúrio e outros rejeitos químicos, mata os peixes e degrada o bioma, crucial para frear a crise climática. E isso se reflete na saúde dos Yanomami, com casos de malária e desnutrição, já que impacta diretamente na alimentação indígena, que tem como base a pesca, a caça, a coleta de frutos e raízes e a agricultura. Também há registros frequentes de conflitos armados.
Em vários pontos da região, o Primeiro Comando da Capital (PCC) e outras facções se aliam aos garimpeiros, o que impulsiona tanto os crimes ambientais como o narcotráfico, que usa os rios como rota para escoar cocaína. A insegurança restringe até o funcionamento de postos de saúde. Desde janeiro de 2023, quando fotos de crianças indígenas esqueléticas circularam pelo mundo, o território está em emergência sanitária. A medida foi decretada pelo governo federal para expulsar os garimpeiros e levar atendimento de saúde, o que, muitas vezes, depende do reforço das embarcações da Marinha. Um ano depois, porém, a investida ficou aquém do prometido. O total de óbitos de índios yanomamis subiu 5,8% e a gestão Luiz Inácio Lula da Silva liberou em março R$ 1 bilhão extra para novas ações. O Ministério dos Povos Indígenas diz que entre 2023 e este ano a mortalidade caiu 33%, mas não detalhou os dados. No início de 2023, eram cerca de 20 mil garimpeiros ilegais na área Yanomami. Em abril deste ano, a Pasta estimava que havia ainda 7 mil.
O governo diz agora adotar a métrica de novas áreas de garimpo para monitorar a situação. Entre março e setembro, 37 hectares de novas atividades foram detectados e, no ano passado, 984 hectares. Participam das operações em Roraima tropas do 1º Batalhão de Operações Ribeirinhas, do Batalhão de Operações Especiais de Fuzileiros Navais e do Grupamento de Mergulhadores de Combate. A operação também conta com apoio das Lanchas Excalibur, blindadas e velozes, equipadas com duas metralhadoras. O garimpo tem avançado na Amazônia nas últimas quatro décadas, e a expansão da mineração irregular se acelerou entre 2016 e 2022, de acordo com uma nota técnica do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgada em abril deste ano. Nesse cenário, os povos indígenas têm sido os mais atingidos. No período de seis anos, a área de garimpo cresceu 361% dentro dos territórios indígenas, enquanto no restante do bioma o aumento foi de 96%. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.