13/Nov/2024
Um feito histórico deve ocorrer no ciclo produtivo 2024/2025, quando são altas as probabilidades de o Brasil passar os Estados Unidos e se tornar líder mundial nas exportações agropecuárias. No ano passado, a vantagem americana foi de apenas US$ 9 bilhões (US$ 174 bilhões contra US$ 165 bilhões), números que tendem a se repetir neste ano. Para 2025, com safra brasileira recorde, o Ministério da Agricultura projeta exportações do agro na casa dos US$ 180 bilhões. Os Estados Unidos, em contrapartida, devem ficar em US$ 169,5 bilhões. Apesar da disputa acirrada, Brasil e Estados Unidos vivem situações opostas quanto ao impacto do agronegócio no desempenho da balança comercial. No Brasil, as receitas com exportação são dez vezes maiores (US$ 165 bilhões em 2023) do que os gastos com importações do setor (US$ 16,47 bilhões no mesmo ano). Os Estados Unidos, enquanto isso, são atualmente importadores líquidos de alimentos.
Em 2023 importaram US$ 195 bilhões contra US$ 174 bilhões exportados, gerando um déficit de mais de US$ 20 bilhões, conforme dados do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA). Em 2024, o déficit norte-americano no agro deve fechar em US$ 30,5 bilhões. E com previsão de se expandir em 2025, chegando a US$ 42 bilhões, segundo o USDA. Parte da explicação está na força do dólar, que tem encarecido os produtos americanos no exterior. Ao mesmo tempo, a moeda robusta favorece a aquisição de bens agrícolas de outros países. Outros motivos incluem a diminuição das cotações de commodities importantes como soja, milho e algodão, assim como queda nas exportações do "american beef". Em setembro, a marcha brasileira para liderança global nas exportações agropecuárias foi abordada pelo think tank norte-americano Atlantic Council. Com o potencial de ser o maior exportador global de alimentos, o Brasil deve se preparar estrategicamente para esse papel e o mundo deve apoiá-lo, escreveram analistas do instituto.
O estudo “Brasil 2050: uma visão para a segurança alimentar global” coloca o País no topo da lista dos celeiros do mundo com maior potencial de crescimento. Devido à sua incrível dotação natural, seus setores avançados de agronegócio e pesquisa, sua estabilidade em um mundo instável e sua integração bem desenvolvida na agricultura global e nos mercados de alimentos, o Brasil é agora e continuará sendo uma potência agrícola líder e um parceiro crítico no enfrentamento da crise global de alimentos, dizem os autores do estudo. O alerta, contudo, é de que não há caminho plano para garantir a segurança alimentar de 10 bilhões de pessoas no planeta em 2050. Das interrupções das cadeias de suprimentos na pandemia de Covid-19 às guerras da Ucrânia e do Oriente Médio, passando por conflitos e restrições comerciais impostas por governos, permanece desafiador garantir que os alimentos sejam comercializados de locais de excedente para locais de déficit.
Essas forças geopolíticas provavelmente continuarão e, talvez, piorarão, diz o Atlantic Council. Medidas protecionistas para restringir exportações agropecuárias, como ocorreu na Argentina nas últimas décadas não estão no rol de ações que vão garantir ao Brasil uma liderança firme no abastecimento global de alimentos. Na atual legislatura, um grupo de 13 deputados do Partido dos Trabalhadores (PT) protocolou projeto para cobrar imposto de exportação sobre grãos e carnes quando houver situação de ameaça ao abastecimento interno. Justamente na contramão do que tem dado certo. A ascensão meteórica do Brasil ao primeiro lugar entre os produtores globais de alimentos se deve, em parte, à adoção de um modelo voltado para o exterior que abraçou o comércio global. Durante as crises mundiais de segurança alimentar, os formuladores de políticas do Brasil reconheceram amplamente os perigos e resistiram às medidas protecionistas para restringir suas exportações agrícolas, ao contrário de vários outros grandes produtores.
É quase consenso que o agro brasileiro ainda tem pela frente uma sequência de anos de forte expansão, tracionada por contínua agregação de novas áreas à produção. O Instituto Mato-Grossense de Economia Agropecuária (Imea) divulgou em outubro projeções sobre o crescimento de Mato Grosso nos próximos dez anos. Como o Estado concentra praticamente um terço da produção agropecuária nacional, trata-se de um bom termômetro do setor como um todo. Somente a área de soja, principal cultivo agrícola de Mato Grosso, deve chegar a 16,62 milhões de hectares na safra 2033/2034. Um crescimento de 33% em relação à área plantada em 2023/2024. A taxa média anual de crescimento será de 2,91%, inferior à média de 3,99% da última década. A desaceleração é natural, diante da extensa área já ocupada com a oleaginosa. No milho, a expansão prevista é de 60,2%, alcançando 10,9 milhões de hectares cultivados. Boa parte desse crescimento virá pela adoção da 2ª safra, que atualmente ocupa apenas 54% das áreas de soja cultivadas na safra de verão (1ª safra).
No algodão, a área cultivada deve crescer 40,6% e as colheitas devem ficar 52% maiores do que as atuais. Como regra geral, a expansão em Mato Grosso se dará com o avanço da agricultura sobre áreas de pastagens, hoje subutilizadas. E, mesmo assim, os cálculos do Imea consideram a conversão de apenas um quinto dos campos disponíveis. Nem mesmo os gargalos de infraestrutura e logística, que reduzem as margens do setor produtivo, devem conter o avanço agropecuário. Se fosse depender de logística, Mato Grosso não seria o que é hoje. Os gargalos não são um fator preponderante. Poderia ser melhor, mais rápido, se a logística evoluísse numa velocidade para dar suporte ao Estado. O importante dessas projeções é que elas são feitas com modelos do Imea que vêm obtendo alto índice de acertos, ano a ano, na última década. Com estudos, o Imea tenta convencer os governos sobre as ações prioritárias. É possível dizer quais as regiões vão crescer e quais rodovias vão precisar dar vazão a X milhões de toneladas.
Na avaliação do Imea, se os formuladores de políticas públicas prestarem atenção ao crescimento do agro brasileiro, não haverá necessidade de repetir o “trauma de infraestrutura” de anos anteriores. Quando primeiro veio a produção, depois a logística correu atrás. A máxima de que “se o governo não puder ajudar, pelo menos que não atrapalhe” continuará a ser decisiva para a locomotiva da agropecuária não sair dos trilhos. A MB Agro Consultoria enfatiza que Brasil e Argentina se destacam, apesar de enfrentarem concorrentes que aplicam pesados subsídios à produção. Falar em aplicar mais impostos ou sobretaxar o setor é fazer o jogo dos outros. O principal fator é que o governo não atrapalhe, que permita que o setor cresça. Muita gente fala que tem que taxar o agro, taxar as exportações. “Daí é matar a galinha dos ovos de ouro mesmo. Esse é o grande medo do setor”. O Brasil já é o país que detém a maior participação do setor agropecuário nas exportações totais, chegando a 36,1%, segundo um estudo do mesmo Ipea.
Quando a comparação é com o PIB, as exportações agropecuárias são mais expressivas na Holanda, com 11,3% de participação, e na Bélgica, com 8,6%. O Brasil aparece em terceiro lugar, com 6,3%. Holanda e Bélgica, porém, detêm também as maiores importações do setor agropecuário no PIB, entre 7% e 8%. No Brasil, esse percentual é inferior a 1%. O que torna mais forte a contribuição do agro à balança comercial, alçando o país à liderança absoluta neste quesito. Quando o parâmetro é a Contribuição ao Saldo Comercial (ICSC), dentre as dez principais economias agroexportadoras do mundo (Estados Unidos, Holanda, Brasil, Alemanha, França, Espanha, China, Itália, Canadá e Bélgica), apenas Brasil, Canadá, Espanha e Itália registraram crescimento entre 1995 e 2021, com o Brasil sobressaindo. Em carnes, segundo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil deixou de ser “neutro” em termos competitivos, em 1995, para se tornar “forte” nos anos seguintes.
Nos cereais, até o início dos anos 2000 o Brasil não tinha nenhuma tradição como exportador de milho. Isso mudou radicalmente com a explosão do cultivo de 2ª safra. Nas oleaginosas, a soja conseguiu manter ritmo crescente de competitividade, liderando entre todos os países na Contribuição ao Saldo Comercial bem como na Vantagem Comparativa Revelada (VCR). Dentre as principais cadeias do agro nacional, a de lácteos reporta o pior resultado de especialização produtiva do setor agroexportador desde 1995. É justamente neste setor que há grande concentração de agricultores familiares. Enquanto nos principais competidores o rendimento ficou entre 7 e 10 toneladas por vaca leiteira, no Brasil esse valor foi de 1,7 tonelada por animal (FAO, 2021). Pouco acima do rendimento médio mundial, de 1,1 tonelada por vaca. No geral, as projeções para a próxima década sugerem que o Brasil deverá manter, ou até aperfeiçoar o padrão que tem sido típico neste século: aumento persistente dos rendimentos físicos e da produtividade total dos fatores, acima do que seria normal em termos de proporcionalidade à área plantada.
É o chamado efeito poupa-terra, que continuará a ocorrer nos próximos anos, segundo a publicação Projeções do Agronegócio, Brasil 2023/2024 a 2033/2034. O estudo foi feito pela Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura com apoio da Embrapa, e divulgado em outubro. Conforme o levantamento, as áreas ocupadas com lavouras deverão passar de 92,2 milhões de hectares em 2023/2024 para 109,3 milhões de hectares em 2033/2034. Um acréscimo de 17,1 milhões de hectares, puxado pela soja (mais 11,5 milhões), cana-de-açúcar (mais 1,5 milhões) e milho (mais 2 milhões de hectares). Essa expansão se dará não somente pela demanda por alimentos, mas também pelo uso crescente das lavouras de soja e milho para produção de biocombustíveis. Algumas lavouras, como mandioca, café, laranja e fumo devem perder área, mas a redução, em alguns casos, será compensada por ganhos de produtividade.
Em relação às carnes, a previsão é de crescimento de 22,2%, sendo liderada por frango (28,4%) e suíno (27,5%). Ainda que haja forte demanda do mercado internacional pela carne brasileira, do aumento da produção de frango, 60% serão destinados ao mercado interno. Na carne suína a participação no mercado doméstico será de 76,1%. Assim, conclui o relatório, “embora o Brasil seja, em geral, um grande exportador para vários desses produtos, o consumo interno será relevante”. Pelas projeções futuras, pelo histórico e pela vocação do agro brasileiro, o País precisaria “errar muito” para não permanecer na liderança global de exportações agrícolas, que deve assumir já no próximo ciclo, dos Estados Unidos. Vale reforçar o conselho do Atlantic Council: "o Brasil deve se preparar estrategicamente para esse papel e o mundo deve apoiá-lo”. Fonte: Gazeta do Povo/PR. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.