14/Nov/2024
O tema deste artigo são leis e projetos de lei estaduais que alegam que as políticas de sustentabilidade das empresas que compram produtos agropecuários são obstáculos para que o proprietário utilize todo o potencial produtivo da sua fazenda. Tais dispositivos legais tentam criar uma realidade inexistente, forçando as empresas a se autoincriminarem. Estas leis partem de uma premissa equivocada, ignoram a relevância do consumidor e tentam penalizar as companhias que, na verdade, viabilizam o escoamento e o processamento dos produtos agropecuários, ou seja, os parceiros dos produtores. Há uma iniciativa em curso para demonizar as políticas de sustentabilidade das empresas, algo que não pode ser ignorado. Esse movimento possui raízes profundas, firmemente estabelecidas entre os produtores rurais, baseando-se na percepção de que tais políticas exigem atributos de produtos agropecuários que vão além das legislações nacionais.
Embora seja legítimo, por ter emergido da base, ele desconsidera o mercado consumidor e acaba colocando em risco o próprio produtor rural. É essencial deter essa tendência antes que ela comece a moldar a imagem do agronegócio brasileiro no exterior, criando a percepção de que o Brasil impede empresas de promoverem a sustentabilidade e que, no País, o aumento da produção estaria em conflito com a conservação. Não faltam pessoas, tanto brasileira quanto estrangeiras, dispostas a construir essa narrativa. As leis e projetos de lei estaduais visam cancelar acesso a incentivos fiscais de ICMS para empresas que possuem políticas de sustentabilidade na originação de produtos agropecuários, caso exijam atributos adicionais aos previstos pela legislação que regula os produtores rurais. O raciocínio criado por este dispositivo é o seguinte: as companhias que originam produtos agropecuários criaram políticas de sustentabilidade para atender às demandas dos seus clientes e consumidores.
Tais políticas se traduzem em requisitos específicos para aquisição desses produtos. Em resposta às exigências do mercado, as empresas podem optar por não comprar de determinados talhões de produção caso identifiquem práticas não aceitas por seus compradores. As leis pretendem, portanto, proibir as companhias de atender as demandas dos seus clientes, assumindo, sem evidências, que tais exigências prejudicam a capacidade produtiva dos fornecedores. A decisão de não comprar determinados lotes de produção foi transformada por esses dispositivos legais em uma ação que limita a expansão da produção agropecuária e, por extensão, causa empobrecimento e subdesenvolvimento em regiões produtoras. A visão é de que exigir mais do que a legislação brasileira, mesmo que aplicado apenas sobre talhões de produção, impede o produtor de utilizar sua capacidade total.
Para se ter uma ideia do raciocínio criado por tais legislações, melhor olhar para elas: a Lei 5.837/2024, do Estado de Rondônia, afirma que o acesso a incentivos está vedado para empresas que "implementem políticas que limitem o exercício do direito à livre iniciativa ou que restrinjam a oferta de determinados produtos no âmbito do Estado de Rondônia" ou "restrinjam a utilização de áreas produtivas, prejudicando o crescimento econômico dos municípios de Rondônia". Já o Projeto de Lei 1.041/2024, do Estado de Goiás, veda o acesso a incentivos fiscais para "pessoas físicas ou jurídicas que imponham a seus fornecedores, como condição para a aquisição de produtos agrícolas, pecuários ou silviculturais produzidos em imóveis rurais localizados no Estado de Goiás, restrições à utilização de áreas de produção rural que não estejam expressamente contempladas na legislação ambiental federal ou estadual". Ambos os dispositivos legais concluem que as políticas das companhias impedem o proprietário de utilizar toda sua capacidade produtiva disponível.
Outro exemplo é a Lei 12.709/2024, do Estado de Mato Grosso. Não farei comentários sobre essa lei porque ela enfoca iniciativas coletivas, sem proibir políticas individuais das empresas. Portanto, é menos gravosa do que a de Rondônia e o PL de Goiás. Será que tal premissa, ou seja, de que o proprietário da terra não consegue utilizar mais área produtiva da sua fazenda devido às políticas de seus compradores, é verdadeira? Além disso, essa alegação é demonstrável ou trata-se de pura subjetividade? Políticas de sustentabilidade das empresas não impedem o proprietário de utilizar com plenitude sua fazenda. Além delas, formalmente, não possuírem nenhum dispositivo que afirme que estas visam limitar a decisão do produtor, sua implementação não impede sua decisão de produzir e de vender sua produção. Sempre há compradores disponíveis para adquirir a produção dos fornecedores. Políticas individuais são únicas e diferentes por natureza. As diferenças entre elas provam que nenhuma restrição é imposta sobre o fornecedor.
O argumento de que a exigência de atributos adicionais à legislação brasileira impede o produtor de produzir não se sustenta, pois esses atributos são parciais em relação ao sistema de produção e nunca impeditivos ao sistema como um todo. Não há evidências, ou fatos, que comprovam que as políticas de sustentabilidade das empresas impedem a produção rural de crescer. Dados agregados demonstram exatamente o contrário. Mesmo os dados individuais de cada produtor indicam que a produção agropecuária, nas propriedades integradas às cadeias de suprimento, segue apenas uma direção: a do crescimento. Tais dispositivos cometem um erro básico que pode prejudicar cadeias de suprimento: ignoram o consumidor, seus interesses e suas preferências. Não há produção de alimentos sem um consumidor na outra ponta para ser alimentado.
As políticas de sustentabilidade das compradoras de produtos agropecuários existem porque seus clientes querem a presença, ou ausência, de certos atributos nos produtos que adquirem. O consumidor escolhe o que quer, o produtor decide como produzir, as empresas compradoras criam a ponte entre o produtor e o consumidor. Nem toda produção rural é adequada para todos os consumidores - uma realidade ignorada pelos defensores dessas legislações. Fingir que o consumidor não existe é uma estratégia perigosa que pode um dia afastá-lo. Por fim, Rondônia e Goiás ainda seguem um caminho, além de punir as companhias por terem políticas de sustentabilidade com base numa premissa totalmente subjetiva e não demonstrável, de transferir o ônus da prova para as companhias. A Lei e o PL criam uma premissa não demonstrável e ainda obrigam a empresa, que é a entidade prejudicada pela norma, a provar que a premissa é verdadeira.
Ninguém pode ser obrigado a constituir provas contra si mesmo. A legislação de RO e o PL de GO exigem que as empresas apresentem uma declaração de conformidade legal. Observem a situação: a empresa já sabe que a lei presume que suas políticas de sustentabilidade restringem a liberdade do proprietário em usar suas próprias terras. No entanto, é obrigada por essa mesma lei a afirmar que não possui políticas, o que é impossível, pois de fato possui essas práticas. A única saída, então, é o Estado obrigar a empresa a assinar uma declaração em que abre mão da fruição dos incentivos fiscais de forma "voluntariamente forçada", isentando, assim, o Estado de responsabilidade pela decisão. Alto nível de arbitrariedade para algo não comprovado com evidências e puramente baseado em premissa subjetiva.
São leis criadas, portanto, para deliberadamente vetar o acesso aos incentivos fiscais. Teria sido mais honroso e justo acabar logo com os programas de incentivo fiscal. E o consumidor? Já se foi o tempo da crença de que o consumidor é quem manda. Aqui no Brasil tem muita gente que acha que é o produtor que manda. Antagonizar aumento da produção agropecuária com conservação, dizendo que exigir além da lei impede a produção de crescer, é uma estratégia que só enxerga o consumidor brasileiro. Mas o agro brasileiro é global, tem muitos consumidores além do brasileiro para atender. Não podemos ignorar suas preferências. Fonte: André Meloni Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.