26/Feb/2025
O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) iniciou 2025 com foco na COP30, a conferência do clima da Organização das Nações Unidas (ONU), que será realizada em Belém (PA). O presidente da instituição financeira, o brasileiro Ilan Goldfajn, afirmou que aposta na proteção cambial para investidores privados como forma de acelerar o investimento na sustentabilidade ambiental. Com o objetivo de atenuar os efeitos da volatilidade da moeda, no Brasil, por exemplo, o dólar chegou a ultrapassar os R$ 6,00 recentemente, o BID pretende facilitar operações de hedge cambial dentro do programa “EcoInvest”. Na avaliação de Goldfajn, o setor privado, ao investir em projetos sustentáveis, olha para além dos problemas fiscais de curto prazo do Brasil, mas é preciso garantir condições com maior segurança.
“Tem que ter regra do jogo, contratos bem-feitos, regulação bem trabalhada, estabilidade econômica, e aí por isso que o câmbio não pode ter essa flutuação. Se tiver, a gente tem que oferecer o hedge”, ressaltou. Em 2023, o BID anunciou uma meta, que continua valendo, de US$ 150 bilhões para o financiamento verde em 10 anos. Na Amazônia, o BID Invest tem hoje US$ 484 milhões. Para a COP30, o banco trabalha com quatro pilares. O primeiro é o programa “Amazônia Sempre”, que foca em ações voltadas especificamente para a região.
Tem também o “Alinhamento de Belém”, que busca unir as discussões e metas de clima e natureza; inovações financeiras, como a criação de “bônus amazônico”, título que os investidores podem comprar de projetos sustentáveis da região; e a “resiliência”, ou seja, em como prevenir e reagir a desastres naturais. Nesta entrevista, Ilan Goldfajn evita tecer comentários sobre a postura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que tirou o país do Acordo de Paris e trabalha para esvaziar os organismos multilaterais. O presidente do BID aposta que a agenda da resiliência climática é comum entre os países e vai se sobrepor na COP30. Ele ainda elogia a ação do Banco Central para controlar a inflação, destaca a consolidação fiscal que antes não havia em países como Argentina e Suriname, e avalia que há mais estabilidade na América Latina. Segue a entrevista:
Quais são os pilares de atuação do BID na COP 30?
Ilan Goldfajn: São quatro pilares. O nosso programa “Amazônia Sempre” é um pilar fundamental, um dos programas mais bem-sucedidos do banco, junta os oito países da Amazônia, o Banco Mundial, o CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina e Caribe), a gente (BID) está liderando, com governos locais, estaduais, comunidades indígenas, bancos públicos na Coalizão Verde, bancos privados. Vamos puxar bastante isso na COP 30. O segundo pilar é o “Alinhamento de Belém”, que é ter metas e programas ligados à natureza e à bioeconomia, para fazer um nexo entre clima e natureza. Essa ligação a gente deve reforçar bastante na COP 30. Não podem virar coisas separadas, não pode ter uma COP de clima e uma COP de natureza, como tem hoje.
E os outros pilares?
Ilan Goldfajn: O terceiro são inovações financeiras, com a participação do setor privado. De Baku (na Azerbaijão, onde foi realizada a COP 29 em 2024) para Belém, você precisa ter uma trilha de como chegar no financiamento de US$ 1,3 trilhão. Não tem como chegar nessa meta se não tiver recursos do setor privado. E o último pilar é a questão da resiliência. Precisamos trabalhar como reagir aos desastres naturais. Eles estão acontecendo uma vez por mês, vários por ano, e tem um custo muito grande. A gente tem até uma estimativa que é US$ 1,2 milhão por hora de custo de desastres no mundo hoje. Temos que ter infraestrutura, capacidade de ter resiliência.
O programa EcoInvest completa um ano nesta semana. Na primeira operação, anunciada no final de 2024, o governo brasileiro conseguiu alavancar R$ 45 bilhões em financiamentos a projetos sustentáveis. Previsões para a próxima etapa?
Ilan Goldfajn: O EcoInvest tem sido muito bem-sucedido, a gente vai continuar aumentando isso. Tem outros pilares que estamos trabalhando. Um é fazer a proteção cambial, ajudar através do ISDA (Associação Internacional de Swaps e Derivativos) com o Banco Central, e o BC com os bancos. Oferecer os nossos preços para ter proteção cambial, de uma forma que você consegue fazer o hedge cambial a um preço melhor. Outro pilar é o de ter uma capacidade de propor projetos, tem que ter uma oficina que ajude a ter projetos climáticos. É um trabalho junto com o Ministério da Fazenda. E, finalmente, a gente também tem essa capacidade de ter uma janela de liquidez, que os países podem tomar um empréstimo de curto prazo do BID quando há uma grande depreciação, que é um momento em que o mercado desaparece, então é importante que a gente entre nessa linha.
Até que ponto a situação fiscal brasileira hoje inibe novos investimentos privados?
Ilan Goldfajn: Eu acho que, hoje em dia, os investimentos em clima são geradores de emprego, de oportunidade. Os recursos são investidos pelo setor privado, são a dívida do setor privado. O que o setor público está fazendo é oferecendo linhas que vêm de bancos como o nosso. Portanto, está naquele nosso pilar de aproveitar o setor privado para poder financiar o crescimento.
O senhor citou a questão cambial. O cenário atual afeta os investimentos?
Ilan Goldfajn: Esses investimentos vão além da questão de curto prazo fiscal do Brasil. Esses investimentos olham daqui a dez anos, olham oportunidades globais de exportação, de exportar energia limpa. Eu acho que está num outro patamar. O que, sim, a gente tem que trabalhar é para que a gente ofereça as condições no País para que haja investimento. Tem que ter regras do jogo, contratos bem-feitos, regulação bem trabalhada, estabilidade econômica, e aí por isso que o câmbio não pode ter essa flutuação. Se tiver, a gente tem que oferecer o hedge. Tudo que é para além do que o investidor consegue calcular, que são os riscos dele mesmo, do projeto, são coisas que a gente deveria diminuir. Segurança de uma forma geral, segurança econômica, segurança jurídica e segurança física.
O que está faltando para criar esse ambiente de segurança?
Ilan Goldfajn: Eu acho que está indo nessa direção. Os países da América Latina já estão mais estáveis, você vê que são os primeiros que reagiram contra a inflação, a inflação subiu e caiu, os bancos centrais têm trabalhado, isso tem feito a diferença. A região tem crescido mais nos últimos tempos, tem vários países já com consolidação fiscal que não tinham, Argentina, Suriname, outros estão trabalhando as regras fiscais, como Chile, como outros países. A gente tem, sim, mais estabilidade na América Latina.
No Brasil também?
Ilan Goldfajn: O Brasil tem responsabilidade com a inflação, o Banco Central está fazendo esforço para trazer a inflação de volta, isso é bom, mostra que há um trabalho para manter a inflação dentro da meta, e isso é um trabalho do Banco Central e acho que está sendo bem-feito. Ao mesmo tempo, tem todo o objetivo de transformação ecológica, que é importante.
Novas operações do EcoInvest devem ser anunciadas antes da COP?
Ilan Goldfajn: A gente vai trabalhar com o EcoInvest até a COP 30, sim. Temos a ideia de lançar outras etapas, outros valores até a COP.
E sobre o programa “Amazônia Sempre”, para financiar projetos destinados ao desenvolvimento sustentável e inclusivo da região, lançado em 2023. Quais são os números deste programa hoje?
Ilan Goldfajn: Esse programa, quando começou, em 2023, tinha US$ 1 bilhão de recursos nossos junto com apoiadores. E esse número subiu para US$ 4 bilhões e pouco. Ou seja, quadruplou em um ano.
Na sua avaliação, existe equilíbrio hoje entre os investimentos públicos e privados no clima?
Ilan Goldfajn: Esses US$ 4 bilhões que eu falei são basicamente recursos públicos. Recursos privados estão vindo de uma forma bem relevante a quantidade. Eu diria que é menos porque começou agora.
O setor privado vai ultrapassar o setor público em valores?
Ilan Goldfajn: Hoje em dia, para todos os empréstimos do BID, a proporção é de 44% privado e o resto público. A gente está com a capitalização do BID Invest e com o crescimento vai dobrar o tamanho do BID Invest. Precisamos chegar em metade e metade. A gente quer que isso chegue na Amazônia para Sempre também.
E dá para chegar nessa proporção em quanto tempo?
N Ilan Goldfajn: No banco, eu diria que em três ou quatro anos a gente chega lá.
O que está faltando e o que tem impulsionado para se chegar nessa proporção?
Ilan Goldfajn: A gente precisa da capitalização. Recursos foram autorizados pelo nosso conselho na última reunião anual, em Punta Cana. São US$ 3,5 bilhões de capital que está entrando no banco. Além disso, temos um modelo novo, em que você origina o projeto e compartilha com o setor privado, eles entram com a gente porque confiam na nossa originação, que é olhar o projeto e ver se o projeto está funcionando e aí financiar. Se a gente puder entrar com 10% do projeto e distribuir, compartilhar os outros 90%, esse é o nosso novo modelo de negócios. Mais capitalização e capacidade de tomar risco. Essa que é a diferença e vai dobrar o tamanho do BID Invest nos próximos anos.
Com a volta de Donald Trump ao poder, os Estados Unidos saíram do Acordo de Paris, além disso o presidente americano atua pelo esvaziamento de organismos e bancos multilaterais. Quanto isso vai esvaziar a COP?
Ilan Goldfajn: Temos bastante agenda comum com todos os países que fazem parte das Américas, inclusive os Estados Unidos, por exemplo na questão dos desastres naturais e a resiliência, na ideia de que a gente tem de reagir e evitar os desastres. Vamos lançar inovações financeiras. Uma delas são os bônus amazônicos, especificamente para serem usados para proteger a Amazônia. Vamos emitir bônus amazônicos do próprio BID, e isso vai dar um benchmark dos bônus que os outros países podem emitir também. Além disso, estamos criando um fundo Amazônia para todos. Isso é um ETF, que é um fundo que acompanha os nossos projetos, do BNDES, do Banco do Brasil, da Caixa, projetos da Amazônia. Com o ETF, você pode comprar pequenas cotas desse fundo, negociado na Bolsa, de até R$50,00 R$100,00 onde cada um pode ter o seu pedaço de um projeto sustentável da Amazônia. A gente gostaria que isso estivesse funcionando até a COP30.
Até o momento, só 10 países entregaram as metas climáticas. Há temor de esvaziamento da COP 30?
Ilan Goldfajn: A minha percepção é que essas agendas comuns que a gente colocou têm um longo e um grande alinhamento de recursos e trabalho para fazer. Tenho certeza de que vai ser uma COP30 muito bem-sucedida. Eu tenho certeza de que há uma necessidade de reagir aos desastres naturais. O setor privado tem, sim, investido muito em energia renovável. Há uma busca muito grande por minérios críticos, que é uma coisa que a região pode oferecer, como cobre, lítio. Temos que olhar o que nos une.
Há projeção de valores de financiamentos a serem movimentados até a COP30?
Ilan Goldfajn: Na COP 29, trabalhamos de oferecer US$ 120 bilhões nos próximos anos, isso levou a US$ 300 bilhões de compromisso de todo mundo na época, em Baku, e levou ao comprometimento até US$ 1,3 bilhão, que vai ser a rota para o futuro.
O fato de o senhor ser um brasileiro à frente do BID neste momento ajuda de alguma forma no convencimento para investidores estrangeiros apostarem nesses fundos e investimentos ligados ao clima no Brasil?
Ilan Goldfajn: Acho que sempre ajuda, porque a gente consegue estar alinhado. Não é à toa que a COP 30 na região é uma prioridade para o BID. E a COP30 no Brasil facilita o diálogo, com o presidente da COP, o André Corrêa do Lago, com os ministérios.
Fonte: Broadcast Agro.