14/Apr/2025
É como se o mundo tivesse sido vítima de uma “pegadinha” do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Meros sete dias depois de ter bombardeado todas as nações com tarifas severas, bagunçando o comércio global e derretendo bolsas planeta afora, Trump simplesmente decidiu, num estalar de dedos, suspender a maioria delas por 90 dias. Ato contínuo, as bolsas dispararam, e houve alívio momentâneo, mas obviamente ninguém está tranquilo. Afinal, a única coisa clara na lambança de Trump é que ninguém sabe o que ele quer nem qual será seu próximo passo, nem ele mesmo. As perdas desde o dia do anúncio do tarifaço foram mitigadas, mas não recuperadas. Além disso, o piso tarifário de 10% foi mantido, e a guerra comercial contra a China segue escalando perigosamente. Pior: nada do que Donald Trump e seus assessores dizem indica qualquer estratégia lógica. É tocante o esforço de trumpistas e trumpólogos para extrair algum “plano astucioso” ou “estratégia de negociação” de um conjunto heteróclito de ideias fixas, caprichos, rancores e uma dose de niilismo misturados na cabeça de Trump.
Dois dias antes de suspender o tarifaço, ele ridicularizava republicanos por “panicarem” ante o desastre. A um repórter que perguntou quanto tempo toleraria a dor nos mercados, retrucou: “Acho sua pergunta estúpida”. Dois dias depois, explicando a outro repórter por que recuou, disse: “Achei que as pessoas estavam saindo um pouco da linha, ficando um pouco nervosas”. A verdade é que os títulos do governo dos Estados Unidos, outrora porto seguro em tempos de crise, estavam sendo liquidados, dissolvendo a fronteira entre uma recessão com a marca de Trump e uma depressão com a marca de Trump. Até para Trump a negação da realidade tem limites. Mas não para os bajuladores na sua equipe. Pouco antes de Trump “piscar”, o secretário do Tesouro, Scott Bessent, dizia que a economia está em “ótima forma”. Pouco depois, seus acólitos começaram a fabricar racionalizações sem sentido. Um dos mais desavergonhados chegou a dizer que estamos diante da “maior estratégia econômica de um presidente norte-americano na História”.
E como Trump, o “Grande Estrategista”, tomará sua próxima decisão? Ele mesmo respondeu: “É realmente mais um instinto, acho, do que qualquer outra coisa”. A busca por uma “estratégia oculta” parece ser uma necessidade psicológica de encontrar ordem no caos. Um “plano”, ainda que ruim ou maligno, é mais reconfortante que nenhum. Trump tem, é verdade, um punhado de convicções: a de que ele é um mestre da negociação; de que déficits comerciais são maus; empregos no chão de fábrica são bons; e tarifas são uma espécie de panaceia. Outra: os Estados Unidos estão sendo “pilhados” por outras nações, especialmente as aliadas, é natural a quem está sempre tentando pilhar os outros presumir que estão sempre tentando pilhá-lo. Por baixo de todo esse exercício mental, resta o descomunal apetite de Trump por acúmulo de poder. O controle total sobre as políticas tarifárias lhe dá a chance de chantagear empresários no mercado doméstico e agentes estrangeiros que querem acesso a ele. É a mesma lógica das ameaças de invasão territorial ou de implodir alianças como a Otan.
“Ao dizer ao mundo que tanto as regras do comércio quanto as garantias de segurança dependem exclusivamente de sua vontade, ele está concentrando a maior quantidade possível de poder em suas mãos”, resumiu o articulista do Wall Street Journal Walter Russell Mead. Se há um método nessa loucura, portanto, é este: concentração de poder pessoal. Por mais incômodo que seja ao resto do mundo, é mais racional admitir de vez a irracionalidade do homem mais poderoso do planeta. A única certeza sobre sua política é de que é impossível confiar em Trump e, por extensão, nos Estados Unidos, pelo menos enquanto ele for presidente. Sejam lá quais forem as decisões, boas ou ruins, que os “instintos” de Trump vierem a ditar, essa atmosfera permanente de incerteza e caos por si só impõe um custo incalculável aos Estados Unidos e, consequentemente, à ordem econômica e geopolítica da qual os norte-americanos foram o principal avalista por 80 anos, que tomará anos para ser recuperado; isso se for.
Desde que os Estados Unidos intensificaram a taxação de produtos importados, no início de março, a trajetória de perdas de valor das ações de empresas norte-americanas se acentuou. No caso das big techs, a desvalorização chegou à casa dos trilhões de dólares. Não foram as semanas de pânico nas Bolsas de Nova York, porém, que travaram o maior tarifaço, na quarta-feira (09/04). O que levou o presidente Donald Trump a apertar o botão de pausa, por pelo menos 90 dias, foi a disparada na venda dos chamados Treasuries, os títulos da dívida norte-americana, até então considerados o porto seguro dos investidores do mundo todo. Quando as ações derretem, os títulos do Tesouro costumam fazer o movimento inverso: todos correm para comprar esses papéis em busca de proteção. Desta vez, não foi o que aconteceu. Antes do tarifaço marcado para a quarta-feira (09/04), os papéis vinham tendo um aumento de rendimento, ou seja, passaram a pagar um retorno maior, diante da elevação do risco. Em quatro dias, o rendimento dos títulos do Tesouro com resgate em 10 anos subiu de 4,20% para 4,47%, marcando seu maior aumento desde o auge da crise financeira de 2008.
A venda de títulos espelhava uma apreensão com as medidas que entrariam em vigor na metade desta semana, as chamadas tarifas recíprocas para cerca de 60 parceiros comerciais dos Estados Unidos, incluindo potências como União Europeia e Japão. A queda nos preços dos títulos (a contrapartida de uma alta nos rendimentos) alarmou analistas e investidores muito mais do que o derretimento das ações. Um dos temores, inclusive, era de que a própria China, em guerra comercial com os Estados Unidos, se desfizesse de parte de seus títulos e, assim, agravasse a desvalorização dos papéis, e o endividamento do governo norte-americano. Os investidores costumam ficar de olho nas notas com resgate em 10 anos, mas os títulos do Tesouro de 30 anos foram ainda mais afetados, com o rendimento subindo quase 0,5% em três dias, seu maior aumento em quatro décadas, desde 1982. O dinheiro vem entrando nos Estados Unidos há anos, na forma de compra de títulos para o governo pagar, seja em 10 anos, seja em 30 anos, com a confiança em uma economia forte, na abertura aos fluxos globais e nos sólidos retornos de investimento.
Ao olhar do investidor, hoje o maior risco é que essa dinâmica se inverta. O papel dos títulos do Tesouro dos Estados Unidos como principal ativo de refúgio significa que sua queda pode ter implicações profundas e imprevisíveis nos mercados globais. Os dois maiores detentores internacionais de títulos do Tesouro dos Estados Unidos são o Japão, que a Casa Branca continua a considerar um aliado, e a China, que está no centro de todas as ações tarifárias dos Estados Unidos, tanto que, em vez de poupada, teve a sua taxação agravada para 145% como resposta a uma retaliação. Investidores estrangeiros possuíam mais de US$ 8,5 trilhões nesses títulos em janeiro, de acordo com dados do Tesouro norte-americano. A propriedade de títulos do Tesouro é difícil de se rastrear, pois muitos investidores compram por meio de centros financeiros offshore, como Londres ou as Ilhas Cayman. Os rendimentos dos títulos do Tesouro estavam caindo com os preços das ações, cumprindo o papel de investimento de longa data dos títulos como um ativo de refúgio que sobe quando outros caem.
Mas, isso mudou quando a China anunciou tarifa retaliatória de 84% para produtos norte-americanos, e as vendas se aceleraram. O presidente do Federal Reserve (Fed) de Minneapolis, Neel Kashkari, afirmou que as tarifas colocam o Banco Central norte-americano em uma posição "desafiadora", citando a dificuldade em estimar seus efeitos sobre a economia. "Terei mais confiança para falar sobre os efeitos e se eles serão apenas temporários, caso os acordos comerciais sejam finalizados rapidamente", disse. Kashkari argumentou que, por este motivo, não está confortável com a teoria de que as tarifas terão apenas um grande impacto inicial na inflação, antes de desaparecer gradualmente. Na visão dele, quanto mais tempo as negociações levarem, mais incerta fica a extensão dos efeitos e maior o risco de desancorar as expectativas de inflação de longo prazo. "Se não tivéssemos passado por quatro anos de inflação elevada e bem acima da meta, eu não teria este receio", afirmou. "Temos que tomar cuidado em nossas decisões e terminar nosso trabalho, mostrar que não há enfraquecimento em nosso compromisso."
Kashkari não vota nas decisões do Comitê Federal de Mercado Aberto (FOMC) neste ano, mas terá assento nas reuniões de 2026. O JPMorgan Chase alertou, na sexta-feira (11/04), que a economia norte-americana enfrenta uma turbulência considerável diante da atual guerra comercial e tensões geopolíticas. Completam a lista de fatores negativos a inflação persistente, déficit fiscal e preços de ativos elevados, além da volatilidade dos mercados. Os clientes estão mais cautelosos em meio ao aumento da volatilidade nos mercados motivada por tensões geopolíticas e comerciais. É prudente manter excesso de capital e liquidez ampla nesse ambiente. Entre potenciais pontos positivos nas mudanças políticas dos Estados Unidos, pode-se citar a reforma tributária e a desregulação. O JPMorgan projetou como provável uma recessão da economia dos Estados Unidos neste ano, devido ao impacto das tarifas norte-americanas e retaliações da China, mesmo com a pausa das alíquotas recíprocas sobre outros países. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.