25/Apr/2025
Desde o início da nova gestão do governo norte-americano, o mundo é surpreendido com medidas que buscam, na visão do presidente Donald Trump, restabelecer a era do ouro para os norte-americanos. A escalada protecionista, inicialmente focada na China, México, Canadá e mais alguns parceiros comerciais, culminou com a aprovação, no último dia 2 de abril, da ordem executiva que impõe tarifas recíprocas lastreadas no déficit comercial com os parceiros comerciais. No dia 10 de abril, as tarifas recíprocas foram suspensas para todos os países, exceto a China, que hoje enfrenta uma tarifa proibitiva de 145% para acessar o mercado norte-americano. De acordo com a Casa Branca, mais de 75 países já se movimentaram para negociar. No dia 12 de abril, o governo norte-americano isentou smartphones, laptops e outros eletrônicos das tarifas recíprocas. Adicionalmente, iniciou três novas investigações justificadas sob o argumento de segurança nacional, envolvendo importações de semicondutores, produtos farmacêuticos e minerais críticos processados e seus produtos derivados.
O 2025 National Trade Estimate Report on Foreign Trade Barriers (NTE) faz uma ampla análise das medidas comerciais aplicadas por quase 60 países, classificando-as em 14 barreiras ao comércio que são danosas aos Estados Unidos. Apesar de não ser possível mensurar todos os impactos dessas medidas para as exportações, os investimentos e o comércio eletrônico dos Estados Unidos, elas serão consideradas na análise das barreiras com cada parceiro comercial. Os Estados Unidos reinauguram uma escalada protecionista inspirada no Smoot-Hawley Tariff Act de 1930, que aumentou as tarifas para proteger empresas e agricultores norte-americanos na época da Grande Depressão. Naquela época, as tarifas eram o principal instrumento adotado entre parceiros comerciais. Atualmente, como evidencia o NTE, existem diversas medidas que afetam o comércio internacional. Do ponto de vista prático, a postura norte-americana de aumentar as tarifas em um dia e suspendê-las ou reduzi-las dias depois, evidencia uma tática para forçar negociações país a país, criando incertezas e inseguranças para os negócios.
Vale lembrar que as regras multilaterais acordadas na Organização Mundial do Comércio (OMC) “valem, mas não valem", visto que há uma quebra de confiança na organização que foi criada com apoio significativo dos Estados Unidos, desde os meados do sistema de Bretton Woods. Com a OMC "sem dentes", não há um campo com igualdade de condições (level playing field) mínimo, prevalecendo medidas unilaterais baseadas na força. O Global Trade Outlook and Statistics 2025 da OMC, estima que as tarifas recíprocas e as incertezas na política comercial podem reduzir 1,5% no comércio mundial de mercadorias em 2025. Em um cenário sem regras comuns, com a OMC fragilizada e sem seu Órgão de Apelação funcional, graças a postura de Trump ainda no primeiro mandato, cria-se a oportunidade ideal para o protecionismo unilateral, facilmente justificado sob o argumento de segurança nacional. Muito além das medidas comerciais, Trump parece voltado para inaugurar uma nova ordem global que considera interesses particulares da sua administração, independentemente de regras comuns.
É válido observar essa escalada protecionista pelo prisma da geoeconomia, como referencial que propõe analisar as relações em um mundo interdependente e hiperconectado, com base nas dinâmicas das interrelações entre Economia Internacional, Direito Internacional e Relações Internacionais. As transformações causadas pela crise de 2008, pela pandemia do Covid-19, as tensões comerciais entre Estados Unidos e China, as tensões geopolíticas entre Rússia e Ucrânia, Israel e Irã, as crises migratórias, de segurança alimentar e energética, dentre outros fatores, salientam que a segurança econômica internacional é um fator que orienta a política internacional em um pano de fundo onde o Ocidente e o Oriente disputam a liderança econômica e tecnológica. Nesse contexto, é válido destacar que a produção e/ou acesso a alimentos, energias, tecnologias, incluindo inteligência artificial e edição gênica, água, minerais críticos e terras raras são elementos intrínsecos à possibilidade de alcançar segurança econômica e fortalecer posições geopolíticas ou, na nova linguagem, geoeconômicas.
Vale acrescentar a esses cinco pilares a defesa, que continuará a ser um elemento intrínseco ao exercício da geoeconomia. Em outras palavras, a nova ordem econômica global será determinada pelas estratégias e investimentos que os países fizerem para alcançar esses cinco grandes objetivos, além de segurança. No campo de energia, o desejo norte-americano de impulsionar os combustíveis fósseis, ressalta, de um lado, o enorme potencial produtivo dos Estados Unidos quando se trata de petróleo e gás. Mas isso não significa que as energias renováveis para diversos usos deixarão de ter espaço, afinal, são negócios. Basta ver que o etanol de milho norte-americano tem sido intensamente defendido nos foros multilaterais, por ter, na visão do governo, uma pegada de carbono menor que o etanol de milho brasileiro. Triplicar a produção de fontes renováveis de energia é uma meta adotada pelos países no Acordo de Paris. Dados da Agência Internacional de Energia apontam que em 2023 a participação das energias renováveis no consumo final de energia representou 13% e espera-se que represente 20% em 2030.
A China deverá consolidar sua posição como líder global em energias renováveis, sendo responsável por 60% da expansão da capacidade global até 2030. União Europeia e Estados Unidos tendem a duplicar o ritmo de crescimento da capacidade renovável entre 2024 e 2030, enquanto a Índia registra a maior taxa de crescimento entre as grandes economias. A nova capacidade solar adicionada até 2030 será responsável por 80% do crescimento da energia renovável global até o final desta década. O ritmo de crescimento das energias renováveis nos transportes, na indústria e nas construções deve duplicar até 2030. No transporte, a eletricidade renovável é responsável por metade desse crescimento, liderada pela adoção de veículos elétricos e seguida pelos biocombustíveis, com pequenas contribuições de biogás, hidrogênio e dos combustíveis eletrônicos. Até 2030, datacenters representarão a 5ª maior demanda de energia globalmente.
E nessa corrida, inclusive nos Estados Unidos, país que hoje detém o maior número de datacenters, a fonte de energia é um diferencial central. Vale dizer que a China investe para se tornar o maior centro de datacenters verde em um curto espaço de tempo. A corrida por minerais críticos e terras raras é outro pilar nas definições da nova ordem global. Cobre, silício, lítio, níquel, grafite, arsênio, cádmio, molibdênio, dentre ouros, são elementos essenciais para desenvolver diversas tecnologias necessárias não somente para propiciar as inovações necessárias para catalisar transição energética, mas para catalisar a corrida da inteligência artificial que traz soluções para diversos setores da economia, de educação a medicina. E as principais fontes de minerais críticos e terras raras estão na China, Chile, Peru, Japão, Congo, Brasil, dentre poucos outros países. A ambições de Trump mirando a Groenlândia e a Ucrânia se devem às reservas desses minerais, que serão determinantes para a corrida tecnológica da próxima década.
A produção de alimentos é outra agenda crítica no tabuleiro da geoeconomia. Estados Unidos, Brasil, Argentina, China, Canadá, alguns países da África e poucos outros países têm potencial para avançarem na produção de alimentos considerando que há desafios enormes de adaptação aos eventos climáticos extremos. Associada a capacidade de produção, soma-se o potencial de exportar alimentos, o que depende de relações comerciais minimamente confiáveis. É curioso observar uma recente carta de 30 organizações setoriais da agricultura norte-americana, coordenadas pela International Dairy Foods Association e a Corn Refiners Association, que busca ressaltar, perante o Congresso norte-americano, o papel da OMC como foro essencial para garantir mercado para as exportações norte-americanas de alimentos e produtos agrícolas e evitar uma escalada de protecionismo.
A corrida tecnológica, mesclando inteligência artificial, biotecnologia, edição gênica, microchips, serviços e uma série de produtos base para inovação em todos os setores econômicos, exige investimentos, trocas comerciais em cadeias produtivas que se integram e complementam, além de um cenário de previsibilidade que atraia empresas e investidores. É intrigante observar que a escalada tarifária de Trump pode impactar as empresas e a população norte-americana, gerar inflação e afastar investimentos. Pelo prisma da interdependência profunda, os países acordam preferências visando ampliar benefícios mútuos e não aprofundar desigualdades. O cenário de guerra comercial não parece oferecer essas condições para atrair novos negócios, o que tem sido amplamente debatido. É evidente que Trump sabe que os Estados Unidos precisam manejar os cinco pilares da geoeconomia, enquanto busca trazer a União Europeia para uma posição ativa no quesito de segurança.
Se esta visão se confirmar, o caos tarifário tenderá a dar espaços para novos arranjos minimamente alinhados a visões ganha-ganha. No entanto, ainda é cedo para antever esses efeitos. Os sinais de que os Estados Unidos e a União Europeia estão em tratativas para um acordo comercial evidenciam que a tática de forçar negociações é evidente. Um eventual grande acordo com a China não deve ser menosprezado, afinal, na guerra todos saem perdendo. Vale, por fim, refletir qual é ou deve ser o papel do Brasil diante dos cinco pilares propostos neste artigo para qualificar a geoeconomia. Em todos eles, o Brasil pode ser um player mais do que relevante. Como negociar parcerias estratégias robustas com os Estados Unidos, a China e outros parceiros será crucial para fortalecer o País nessa reconfiguração da ordem global. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.