12/Aug/2025
O ex-diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Roberto Azevêdo, alertou nesta segunda-feira (11/08) que o comércio global vive um 'novo normal' marcado pelo avanço do protecionismo e pela substituição do multilateralismo por “uma arena de jogo onde as regras não existem ou podem mudar de uma hora para outra”. O Brasil não precisa e nem deve escolher lado no atual quadro de ascensão do unilateralismo e não pode permitir que outros definam seu alinhamento a partir de gestos ou ações interpretadas dessa forma. O enfraquecimento do multilateralismo não é circunstancial. Esse é um novo normal. A mudança é estrutural e afeta todos os países, não apenas as grandes potências. Ele classificou o momento como de “ascensão do unilateralismo”, citando a continuidade e, em alguns casos, o aprofundamento das políticas protecionistas dos Estados Unidos na transição da administração Biden para Trump. Muitos esperavam uma reversão.
Mas, o que se vê é um aprofundamento dessas políticas, como por exemplo, a manutenção e a extensão das restrições tarifárias contra a China a setores como o digital, veículos elétricos, aço e alumínio. Para o diplomata, o protecionismo atual “é criativo, é insidioso e não se limita a tarifas”, muitas vezes se apresentando disfarçado de regulações ambientais ou trabalhistas. Como exemplo, citou o mecanismo de ajuste de carbono na fronteira da União Europeia (Cbam), que impõe custo adicional sobre o produtor estrangeiro sem levar em conta diferenças na matriz energética entre países. Também mencionou o regulamento europeu sobre desmatamento, afirmando que tais medidas buscam legitimidade em agendas de forte apelo, mas reduzem a competitividade de produtores externos. As tensões geopolíticas atuais são mais complexas do que na Guerra Fria, pois incorporam dimensões econômicas e tecnológicas, além das militares e políticas.
Essas tensões geopolíticas afetam todos os países e a volatilidade é uma característica permanente: “A imprevisibilidade é garantida. Tudo pode mudar a qualquer momento.” Ele destacou, ainda, que a polarização ideológica e a velocidade das mudanças de governos com orientações políticas opostas reforçam as tensões e fragilizam acordos de longo prazo. Essa sucessão de governos com orientações ideológicas completamente distintas leva a uma fragilização dos laços de confiança entre os países. Compromissos assumidos em um mandato podem ser abandonados no seguinte. Diante da fragilização da diplomacia tradicional, tanto multilateral quanto bilateral, Azevêdo defendeu que o setor privado assuma um “papel mais proativo” na interlocução internacional. Para ele, é necessário ampliar canais de contato e buscar alianças estratégicas diretas com governos, associações setoriais, empresas, centros de pesquisa e outros atores externos.
Para a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag), o mundo vive “um tempo de crescentes sanções, penalizações e tensão entre antigos parceiros”, marcado pela fragmentação geopolítica e pela perda de confiança no multilateralismo. O cenário internacional foi moldado por transformações profundas desde o fim do século XX, como a ascensão da China, o aumento do comércio entre países emergentes e o ressurgimento de políticas nacionalistas e protecionistas, exemplificados pelo Brexit, pelo Green Deal europeu e pelo movimento Make America Great Again. Navegar pelas forças geopolíticas atuais exige considerar as compensações entre proteger indústrias domésticas e manter mercados globais abertos e interconectados. As recentes tarifas de importação sobre exportações brasileiras aos Estados Unidos refletem um reposicionamento estratégico norte-americano. O diálogo e a negociação são o caminho essencial para assegurar equilíbrio e previsibilidade ao comércio internacional, transformando tensões em oportunidades de cooperação.
O agro brasileiro deve ser protagonista na agenda global, especialmente diante da COP30, que será realizada no Brasil em novembro. O agro deverá ser vitrine positiva para narrativas reais do que se faz no Brasil com a revolução verde. O setor há 50 anos é construído “tijolo a tijolo, com a argamassa da ciência, da competência e do suor”. Entre as prioridades, pode-se citar a “biocompetitividade”, combinação de produtividade, qualidade e mitigação das emissões de gases de efeito estufa, a integração de sistemas como lavoura-pecuária-floresta e a necessidade de alianças estratégicas com países e empresas-chave. Também se ressalta a vantagem competitiva do Brasil na produção de energia renovável e biocombustíveis, além da importância das cooperativas e dos pequenos e médios produtores. Mesmo diante de incertezas e volatilidade globais, o Brasil tem um importante papel como parceiro estratégico para a segurança alimentar e energética.
Na avaliação de Roberto Azevêdo, o setor privado brasileiro precisa criar canais próprios de interlocução internacional para reduzir riscos e custos em um ambiente global volátil. Ou o setor privado cria os seus canais, ou vai sofrer e pagar um custo muito maior. O agronegócio enfrenta um desafio adicional em relação a outros setores da economia por combinar, de forma singular, competitividade, qualidade e escala globais. Poucos países têm simultaneamente esses atributos, o que torna o Brasil um competidor direto tanto para grandes produtores quanto para mercados consumidores. Entre produtores, a percepção é de que ajudar o Brasil é tirar mercado. Entre consumidores, há a visão de que as exportações brasileiras são uma ameaça ao tecido social e econômico local. Essa realidade exige inteligência na construção de alianças internacionais, sem esperar que o governo resolva isoladamente. Ele citou a agricultura tropical como exemplo de área onde o Brasil pode gerar sinergias com países de condições semelhantes, contrapondo-se a métricas globais desenvolvidas a partir da agricultura de clima temperado.
As métricas precisam refletir o que acontece no terreno de cada país, e não apenas nos países centrais. Azevêdo criticou indicadores que penalizam práticas brasileiras como a 2ª safra de milho, considerada emissão adicional de carbono, sem reconhecer ganhos de produtividade e redução da pegada ambiental por unidade produzida. Não importa se o País evita o desmatamento ou se alimenta mais gente na mesma área. A penalização existe porque a métrica não nasceu em países capazes de ter uma 2ª safra. Situação semelhante ocorre com outros cultivos e biocombustíveis. O ex-diretor da OMC defendeu a articulação do Hemisfério Sul para apresentar suas realidades produtivas nos foros internacionais, mudar narrativas e combater a percepção de que o agro é problema. O mundo não tem solução sem o agro. Ele citou iniciativas já em andamento, como contatos com entidades de outros continentes e o apoio da Abag na formação de alianças estratégicas. As alianças são fundamentais para que o Brasil tenha tratamento justo e equitativo nas negociações e relações internacionais. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.