08/Oct/2025
A conversa telefônica travada na segunda-feira (06/10), entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Donald Trump foi um passo significativo para recolocar a relação Brasil-Estados Unidos nos trilhos. Há vários elementos positivos, a começar pelo fato de que o telefonema partiu de Trump, que até pouco tempo atrás parecia infenso à ideia de qualquer contato com o Brasil e com Lula. Além disso, ambos descreveram a conversa como “amistosa”, resultando em troca de telefones diretos e o aceno a um encontro presencial em breve, talvez ainda neste mês, na cúpula da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean), na Malásia. Melhor ainda: a conversa focou em interesses comerciais, não em rusgas políticas.
Quando um telefonema banal entre os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil, países que cultivam dois séculos de excelente relação, se torna notícia alvissareira, tem-se ideia do quão intoxicada estava a agenda bilateral. Por um lado, Lula cultivou cuidadosamente a imagem de líder antiamericano, alinhando-se a países e teses hostis aos Estados Unidos; por outro, Trump agrediu o Brasil com tarifas exorbitantes e sanções estapafúrdias sob o falso argumento, oferecido a ele por conselheiros instruídos por bolsonaristas, de que o ex-presidente Jair Bolsonaro é vítima de perseguição política. O resultado foi a degradação das relações e a paralisia dos canais de alto nível. O telefonema indica que ambas as partes entenderam que abusaram do simbolismo à custa dos interesses de suas nações.
O mérito pertence menos à já folclórica “química” entre ambos e mais à diplomacia profissional e ao setor privado. Negociadores experientes, e empresários de ambos os lados preocupados com preços, cadeias de suprimento e empregos, fizeram o que a política não fazia: substituíram slogans por dados, neutralizaram sabotadores e restabeleceram fluxos de informações confiáveis. Ao romper o monopólio de versões convenientes a facções, criaram espaço para o que importa: solucionar problemas. Há oportunidades à vista. O Brasil dispõe de reservas de minerais críticos; os Estados Unidos buscam reduzir dependências estratégicas. A pauta sobre a regulação de plataformas digitais exige diálogo, e não ultimatos. Cooperação em segurança alimentar ou energética e até missões de estabilização regional podem produzir ganhos recíprocos.
Essa agenda não requer alinhamento automático com os Estados Unidos, e sim previsibilidade, regras e disposição de negociar trocas que gerem empregos e investimentos de parte a parte. Convém, claro, temperar o otimismo. Donald Trump continua um político de temperamento volátil, que pega de surpresa até seus mais próximos assessores quando improvisa. Lula, por seu lado, investe pesado na transformação da agressão norte-americana em ativo eleitoral. É claro que nada disso ajuda a diplomacia, razão pela qual, da parte do Brasil, o Itamaraty terá de blindar o canal recém-aberto contra recaídas performáticas, e o Planalto deve resistir à tentação de transformar cada gesto técnico em comício. É preciso ainda reconhecer um custo de aprendizado. A retórica antiamericana do governo brasileiro e o empobrecimento dos canais de diálogo com os Estados Unidos só facilitaram a vida de quem lucrava politicamente com a crise, caso do clã Bolsonaro.
O telefonema não apaga esses erros, mas oferece a chance de corrigi-los. Pragmatismo, e não catecismos ideológicos, deve guiar os próximos passos: equipes técnicas com autonomia, metas mensuráveis, cronogramas e a humildade de operar por etapas, começando por lista de exceções tarifárias e arranjos setoriais que aliviem pressões sem violar cláusulas de soberania. É imprudente arriscar futurologia. Nada impede que um tuíte desastrado, uma tirada marqueteira ou um vazamento oportunista reconduzam a relação ao labirinto das suspeitas. Ainda assim, a conversa entre os dois presidentes importa. Ela sinaliza que, diante de custos econômicos visíveis e de resultados políticos pífios, prevaleceu por um instante a lógica do interesse mútuo. É assim que deveria ter sido desde o início, e assim deve ser daqui em diante. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.