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20/Oct/2025

Plano Clima: pontos que desagradam Agronegócio

A divulgação, pelo governo federal, da minuta do componente de mitigação do Plano Clima gerou indignação no agronegócio. Três pontos explicam essa reação: a alocação das emissões por desmatamento em propriedades privadas, assentamentos e comunidades tradicionais ao setor de Agropecuária; a inclusão das emissões associadas ao consumo de combustíveis também na Agropecuária; e a subestimação das remoções decorrentes dos sistemas agropecuários, incluindo a vegetação nativa existente nas propriedades. Essa crítica pode ser apresentada de forma mais técnica, em vez de apenas pelos seus efeitos.

As metodologias reconhecidas de inventário setorial estabelecem que as emissões por desmatamento e as remoções por práticas conservacionistas compõem o setor de LULUCF (land use, land use change and forests), e não o setor de Agropecuária. O mesmo vale para as emissões ligadas a combustíveis, que são indiretas para os setores produtivos e contabilizadas no setor de energia. A ordem de grandeza do problema fica clara nos números. Segundo o último inventário brasileiro, de 2022, a Agropecuária emitiu 622 milhões de toneladas de CO2e. A nova alocação acrescentou ao setor 813 MtCO2e de conversão de uso da terra e 21 MtCO2e de queima de combustíveis, e incorporou uma remoção de 63 MtCO2e por recuperação de vegetação nativa e produtos florestais madeireiros.

Essa lógica transformou um setor responsável por 30% das emissões totais em protagonista de 68,3% do total. Alinho-me às lideranças, especialistas e organizações que apontaram os problemas dessa escolha do governo, entre eles, e já me desculpando por aqueles que não me lembrei de citar, Roberto Rodrigues, Rodrigo Lima, Eduardo Bastos, Daniel Vargas, a Embrapa e Ministério da Agricultura. E compartilho a preocupação política que decorre dessa opção. Ao informar ao mundo que a Agropecuária responderia por quase 70% das emissões brasileiras, adotaríamos uma contabilização que nenhum outro país usa, abriríamos espaço para barreiras protecionistas contra aos produtos do agronegócio brasileiro. Não é boa ideia. Vale ainda observar as metas de redução apresentadas nas minutas setoriais:

- Agropecuária, já com a alocação de LULUCF e combustíveis, sairia de 1.322 MtCO2e em 2022 para 700 ou 640 MtCO2e em 2035. As reduções decorreriam de queda do desmatamento e recuperação de vegetação nativa, florestas e pastagens;

- Agropecuária, sem LULUCF e combustíveis, passaria de 622 MtCO2e em 2022 para 582 ou 634 MtCO2e em 2035;

- Energia sairia de 80 MtCO2e em 2022 para 81 ou 115 MTCO2e em 2035, com variação associada à capacidade de captura de carbono. A inclusão da captura de carbono nas metas parece ter a função de compensar o expressivo aumento das emissões decorrente da projeção de maior produção de combustíveis fósseis, revelando uma visão do Plano Clima condescendente com essa expansão;

- Indústria, que também recebeu alocação de queima de combustíveis, avançaria de 179 MtCO2e em 2022 para 203 ou 240 MTCO2e em 2035, com reduções pontuais ligadas ao tratamento de efluentes, mas aumento líquido no total;

- Transportes cairia de 116 MtCO2e em 2022 para 107 ou 134 MTCO2e em 2035, com uso de combustíveis renováveis e modos mais eficientes;

- Conservação da natureza, de 50 MtCO2e em 2022, chegaria a emissões negativas de 325 MTCO2e em 2035, com eliminação do desmatamento ilegal, redução de incêndios, combate à extração ilegal de madeira e criação de unidades de conservação.

Os dados indicam que a única redução expressiva esperada em um setor econômico recai sobre a Agropecuária, mas apoiada em ações que pertencem a LULUCF. Esse ponto, por si só, já deveria levar o governo a repensar o critério de alocação. Faria muito mais sentido apresentar a Agropecuária como os demais setores, com intervalo de variação entre queda e aumento em relação a 2022. Outra leitura dos números ajuda a simplificar o debate. Há duas fontes principais de redução de emissões, a queda do desmatamento e a substituição de combustíveis fósseis, e quatro fontes de remoção, o plantio de árvores, a recuperação de áreas degradadas, incluindo vegetação nativa e pastagens, a captura de carbono com armazenamento ou uso e as práticas de conservação de solo que aumentam o estoque de carbono. A proposta do Plano Clima traz sete planos setoriais. Agropecuária e Conservação têm cerca de 200 páginas. Os demais, ao redor de 100.

Na Agropecuária são listadas 24 ações. Em Conservação, 27. Em Indústria, 12. Em Energia, 26. É um desenho complexo para entregar a redução prometida na última NDC por meio de compromissos setoriais. No entanto, como visto, os resultados se concentram em duas frentes do lado das emissões e quatro do lado das remoções. Em vez de atribuir metas setoriais que geram desequilíbrios, já que apenas a Agropecuária aparece como setor econômico com redução líquida de emissões enquanto Conservação não é um setor econômico, o governo deveria focar nas seis ações centrais. O plano ganharia simplicidade, ficaria mais intuitivo e teria maior aceitabilidade. Hoje, ele é complexo, difícil de entender e se apoia em premissas de alocação contestáveis. Diante da indignação e da solidez dos argumentos técnicos, imagino que uma revisão do Plano Clima se imponha. É uma oportunidade para simplificar e, com isso, conquistar a opinião pública. Fonte: André Meloni Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.