31/Oct/2025
A urgência em ampliar projetos que reduzam as emissões de gases de efeito estufa (GEEs) e contenham o aumento da temperatura global é uma realidade no mínimo Incômoda. No âmbito das regras multilaterais do Acordo de Paris e da Convenção do Clima (UNFCCC), os países devem adotar metas de mitigação e adaptação, definidas conforme suas realidades nacionais. Exemplos de compromissos globais que orientam essas metas incluem triplicar a capacidade energias renováveis até 2030, se afastar dos combustíveis fósseis e eliminar o desmatamento. A implementação das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) deve ocorrer, prioritariamente, por meio de políticas, ações e projetos dentro dos países, envolvendo os setores mais emissores, como energia, agropecuária, uso da terra, processos industriais e tratamento de dejetos. Em paralelo, a criação de medidas que afetam o comércio internacional, justificadas pela necessidade de atingir objetivos climáticos, se torna uma realidade cada vez mais evidente.
Embora clima e comércio possam parecer conflitantes, dada as emissões decorrentes do transporte internacional e as pegadas de carbono distintas entre produtos similares oriundos de diferentes países, certas regulações buscam conciliar essas agendas. O Mecanismo de Ajuste de Fronteira de Carbono (CBAM) e o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) da União Europeia são medidas clássicas que afetam o comércio tendo como respaldo a necessidade de agir para atingir as metas europeias de descarbonização. Na prática, essas medidas são uma forma de regulação extraterritorial, impondo obrigações a produtores e exportadores de terceiros países que, para acessar o mercado europeu, são forçados a se adaptar. Como diz o ditado, “o cliente sempre tem razão”. No contexto atual, essa lógica parece estender-se também aos requisitos ambientais e climáticos, frequentemente impostos de forma unilateral. Tais exigências são, por vezes, justificadas independentemente da forma como são exigidas, criando custos adicionais e ignorando as diferenças de desenvolvimento, níveis tecnológicos e acesso a financiamento.
É importante lembrar, contudo, que cada país possui sua própria NDC, metas e prioridades climáticas, o que sugere que nem todos partem do mesmo ponto. A intensificação do protecionismo pós pandemia e o aprofundamento da crise do multilateralismo, refletem um novo ciclo onde interesses unilaterais se sobrepõem às regras multilaterais, e a lógica do “mais forte” tende a prevalecer. Sob essa ótica, a agenda climática passou a ser também um instrumento de poder econômico, com a guerra comercial muitas vezes revestida de propósitos ambientais. Isso não implica menosprezar a importância de reduzir emissões, mas sim de explorar formas de como o comércio pode apoiar a ação climática. No entanto, a ausência de abordagens comuns para avaliar o ciclo de vida e definir a pegada de carbono de produtos como aço, biocombustíveis e carne bovina é apenas um exemplo da falta de consensos mínimos sobre como tratar do assunto. Nos últimos anos, a Organização Mundial do Comércio (OMC) vem discutindo como integrar ganhos climáticos tendo o comércio internacional como trampolim.
Os últimos três Trade Reports da OMC salientam esse desafio e buscam propor caminhos para aprimorar a interação entre clima e comércio. Para promover essa aproximação, comitês específicos da OMC, como o Comitê de Comércio e Meio Ambiente e o Comitê do Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio, têm se estabelecido como fóruns cruciais para a discussão de formas de aproximar a OMC da UNFCCC. O reconhecimento da importância do tema também se manifesta nas Conferências do Clima (COPs). Desde a COP28, realizada em 2023, as COPs passaram a incluir um “dia do comércio” em sua programação, refletindo a crescente preocupação com a fragmentação de medidas de comércio e clima. A agenda de ação proposta pela presidência da COP30 traz uma inovação relevante ao integrar as dimensões de comércio e clima. O Embaixador André Corrêa do Lago, Presidente da COP30, destacou essa convergência durante o WTO Public Forum, realizado em Genebra, em setembro passado, ao defender a importância de encontrar sinergias entre as duas agendas, prezando pelo multilateralismo ao invés de medidas unilaterais.
Para concretizar essa visão, o Embaixador propôs a criação de um Integrated Forum on Climate Change and Trade, um espaço comum para pensar e construir soluções que permitam fomentar ganhos climáticos e usar o comércio como ferramenta para tanto. A meta de triplicar energias renováveis, por exemplo, poderia se beneficiar de uma ampla liberalização do comércio de energias renováveis ou tecnologias e serviços voltados para ampliar projetos de produção de fontes renováveis. Da mesma forma, o objetivo de acabar com desmatamento, poderia ser apoiado pela mobilização de recursos voltados para apoiar a conservação e a restauração de florestas, que poderia ser viabilizada com uma pequena taxa paga pelos importadores de certos produtos. Reconhecer a equivalência entre ações climáticas adotadas por dois países, em linha com regras que a OMC define, poderia ampliar cooperação e sinergias visando ganhos de mitigação associados ao comércio de produtos que cumpram requisitos mínimos de descarbonização.
O Integrated Forum também poderia avançar em um tema há muito discutido: a precificação de carbono em setores específicos, levando em conta níveis diferenciados de desenvolvimento e contribuições históricas para as emissões globais. Tal abordagem, se bem estruturada, poderia estabelecer regras mais justas para compatibilizar políticas comerciais e climáticas. A eficácia das atuais medidas comerciais climáticas é incerta. Existe o risco de que elas não resultem em uma mitigação efetiva de emissões nos países exportadores. Consequentemente, essas medidas podem apenas restringir o comércio e impor custos sobre as emissões de GEE sem gerar benefícios climáticos concretos. Longe de ser um enfoque “ganha-ganha”, essa prática alimenta o protecionismo e fragiliza o multilateralismo. A COP30 pode colocar na pauta climática a necessidade de cooperação com o comércio internacional. É urgente criar o que, no jargão da OMC, se chama de um campo de jogo com igualdade de condições (level playing field), isto é, um conjunto de regras e condições minimamente comuns, válidas para todos os países e com exceções bastante claras. Garantir esse equilíbrio é apenas mais um desafio para a COP30. Fonte: Rodrigo C. A. Lima. Broadcast Agro.