16/Jul/2020
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, confirmou nesta quarta-feira (15/07), que o governo vai iniciar a regularização fundiária de ocupações feitas há décadas na região amazônica, atualmente em situação irregular, por meio de sistemas e vistoria a distância. Segundo Tereza Cristina, a iniciativa ficará concentrada inicialmente em três Estados da Amazônia Legal, mas não revelou quais. Ela afirmou que a regularização fundiária, até quatro módulos, pode ser feita de maneira sensorial, então já há condições de começar essa regularização. Será uma ação integrada onde não só serão emitidos os títulos de regularização fundiária, mas a continuidade a várias outras ações que precisam ser feitas. A ação é uma das principais respostas que o vice-presidente Hamilton Mourão pretende dar ao crescimento do desmatamento na região, tema que voltou a ganhar repercussão dentro e fora do País, dada a escalada da devastação na floresta.
Sob o argumento de que hoje é difícil punir o responsável pelo desmatamento, porque não se sabe quem é o “dono” da terra, o governo vai acelerar a titulação de propriedades, a partir do cruzamento de uma série de bancos de dados. Um decreto sobre o assunto já foi preparado pelo Ministério da Agricultura e enviado à Casa Civil, para publicação nos próximos dias. Esse decreto vai regulamentar que as vistorias das terras e o processamento dos dados poderão se basear em sistemas de sensoriamento remoto, com apoio de imagens de satélite. Segundo Tereza Cristina, estão sendo escolhidos alguns Estados para começar essa regularização. Depois, com o Projeto de Lei (da regularização fundiária) sendo aprovado pelo Congresso, haverá ainda mais agilidade para fazer essa regularização, com mais do que quatro módulos. Ela informou, ainda, que o governo já está começando os trabalhos para a regularização, sem dar mais detalhes.
Ainda de acordo com Tereza Cristina, os interessados na regularização precisam reunir uma série de documentos para entregá-los ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Depois da análise, é o Incra que vai determinar se será necessária também uma segunda análise presencial ou não. Depende do número de módulos que essa pessoa tem. O Ministério Público Federal e especialistas em meio ambiente criticaram o plano do governo Bolsonaro de fazer a regularização fundiária de 97 mil propriedades na Amazônia baseado apenas em sistemas de informação e vistoria a distância. A bancada do agronegócio defende a medida e quer ampliar o uso do recurso para áreas maiores. O governo está com um decreto pronto, que será publicado nos próximos dias, para detalhar o uso de sistemas de sensoriamento e bancos de dados públicos, com o propósito de regularizar propriedades que, somadas, atingem área total de 6,374 milhões de hectares, o equivalente aos territórios dos Estados do Rio de Janeiro e Sergipe juntos.
Pelos dados do governo, esse volume equivale a 40% de toda a área passível de ser regularizada na região da Amazônia Legal. A lei que embasa a regulação que será feita pelo decreto é de 2009 e foi publicada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas nunca havia sido efetivamente aplicada em massa, dadas as dificuldades de integração de bancos de dados diferentes e as limitações do serviços centralizados no Incra, órgão do Ministério da Agricultura. Nívio de Freitas Silva Filho, subprocurador-Geral da República e membro do Conselho Superior do Ministério Público Federal, afirmou que se trata de uma atitude “lesiva” e que deve ser combatida. Se verdadeira, pois de tão absurda que não parece ser, qualquer iniciativa do governo federal no sentido de vir a titular áreas invadidas e griladas na região amazônica, ou em qualquer outra parte do território nacional, é lesiva ao meio ambiente e ao patrimônio público, além de manifestamente ilegal, devendo ser firmemente combatida, declarou. O subprocurador-geral, que também é membro da Câmara de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural, afirmou que não se combate o desmatamento fomentando-o através da ‘legalização’ do produto do crime.
As constantes iniciativas de flexibilizar as normas de proteção ambiental ou ‘legitimar’ atos de violação ao meio ambiente e do patrimônio público são as causas primeiras desta situação de descalabro a que o Brasil chegou, com vergonhosos recordes de desmatamento. O Observatório do Clima chama a atenção para o fato de que o governo parou com as regularizações desde 2019. Mas, está anunciando que vai fazer uma revolução nesse sentido agora. Há dúvidas sobre como o governo vai conseguir fazer isso com o Incra sem pessoal suficiente e sobre como vai controlar o uso de ‘laranjas’ para regularizar ocupações. O governo tem de ir além do discurso e implementar uma política de regularização fundiária consistente e responsável. Essa situação pode gerar consequências perversas, com o estímulo a novas ocupações, na expectativa de regularização futura. Hoje, é possível fazer as titulações em áreas de até quatro módulos fiscais, sem alteração legal. O governo pretende aplicar a Lei 11.952, editada pelo ex-presidente Lula em 2009, que implementou o programa Terra Legal e que Bolsonaro pretendia alterar para ampliar seu alcance a grandes propriedades por meio da MP 910, que caducou.
A regularização a distância tem como alvo as ocupações feitas até 2008 ou anos anteriores, e não projetos de assentamentos tratados pelo Incra. A lei do Terra Legal permitia a vistoria a distância em propriedades de até quatro módulos, mas o governo entende que um novo decreto é necessário para regulamentar pontos em aberto desta lei, como o uso do sensoriamento remoto como plataforma para análise das informações. Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a medida incentiva novas grilagens, por causa da dificuldade de fiscalização pelo governo e confiabilidade de dados. A entidade afirma que, ao premiar o crime e os criminosos com a concessão de propriedade privada de terras públicas, o governo Bolsonaro incentiva a prática delituosa da grilagem e do desmatamento que supostamente pretende coibir. É um contrassenso inaceitável.
A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) declarou que, desde que o governo federal tenha segurança constitucional para realizar a regularização dessas áreas de até quatro módulos fiscais, não há irregularidade e que trabalha para garantir segurança jurídica ao processo de regularização fundiária no Brasil, por meio do PL 2633/20. O PL 2622, que substituiu os planos do governo naufragados com a MP 910, prevê que a escritura baseada em vistoria a distância seja estendida para áreas de até seis módulos, mas o governo pretende modificar o texto e elevar esse número para 15 módulos fiscais, como se previa na MP. Para a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara, o tema fundiário deve ser enfrentado, mas não da forma como propõe o governo. A ideia é que primeiro se faça o congelamento das áreas públicas. É preciso combater a contínua invasão de terras públicas e controlar o desmatamento. Depois, deveriam ser regularizados os pequenos, começando por assentamentos.
Historicamente, o Incra assentou mais de 1 milhão de famílias, mas ninguém sabe até hoje quanto foi regularizado. Muitas famílias abandonaram e voltaram para a cidade. A proposta do governo não envolve os assentamentos do Incra, apenas ocupantes que foram para a região. Segundo o Greenpeace, a regularização fundiária é importante, mas não é tarefa simples, pois demanda soluções complexas que não serão resolvidas com vistorias a distância em meio à pandemia. O processo demanda análises aprofundadas para garantir que não amplie conflitos e nem legitime a grilagem. Neste momento, existem outras medidas mais urgentes que o governo deveria tomar para reduzir o desmatamento, como fortalecer o Ibama e devolver a autonomia do órgão para exercer atividades de comando e controle. Em boa parte dos casos de desmatamento e queimadas ilegais, sabe-se quem é o dono ou ocupante da terra, pois ocorrem em propriedades cadastradas no CAR (Cadastro Ambiental Rural). Mesmo tendo como fiscalizar e autuar, o governo federal não o tem feito. A partir dos sinais dados em favor daqueles que lucram com o crime ambiental e a floresta no chão, é difícil acreditar que o foco desta medida seja o combate ao desmatamento e não a institucionalização da grilagem. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.