29/Jul/2020
O Brasil vem sendo apontado como um dos países que mais vai na contramão climática em todo o mundo, a despeito do esforço de algumas lideranças empresariais de mudar essa percepção. Por isso, grandes gestoras estão barrando um número cada vez maior de empresas brasileiras de seus portfólios, afastando o País de fundos que têm investimentos com o olhar em algum critério ambiental, social ou de governança (ESGs) e que administram um montante de mais de US$ 20 trilhões globalmente. A ameaça de retirada de investimentos no Brasil já começou a virar realidade. Nesta terça-feira (28/07), foi a vez do grupo financeiro norte-europeu Nordea anunciar que retirou a fabricante de carnes JBS de sua carteira, um dia depois da notícia de que o frigorífico brasileiro estaria envolvido com o desflorestamento ilegal da Amazônia. No caso do Nordea Asset Manegement, um fundo global com 220 bilhões de euros sob gestão, a decisão foi tomada este mês, após um período de interação entre o Comitê de Investimentos Responsáveis da gestora e a administração da empresa.
A Nordea decidiu excluir a JBS de todos os fundos. A decisão foi tomada após um período de engajamento com a empresa, onde a gestora afirmou não ter sentido que havia recebido a resposta esperada. Nessa interação com a JBS, foram contempladas diversas questões relacionadas à temática ESG (ambiental, social e de governança corporativa). Dentre elas, o risco de desmatamento na cadeia de suprimentos da empresa, governança corporativa, a forma que a empresa tem lidado com as acusações de corrupção e, ainda, pela maneira como foi tratada a segurança de seus funcionários em meio à pandemia de Covid-19. As plantas da JBS sofreram surto da doença, com a Justiça paralisando as atividades em algumas unidades. Os fundos ESG do Nordea já evitam companhias que tenham esse tipo de exposição, como os apontados no caso da JBS, mas agora o movimento é mais amplo, de forma a abranger os demais fundos da gestora.
Segundo o Principles for Responsible Investment (PRI) no Brasil, organização criada com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU) para ajudar os investidores a incorporar as questões ambientais, sociais e de governança (ESG), a decisão de desinvestimento de um fundo, como o de perfil do Nordea, é sempre o último recurso. O fundo sueco é um signatário do PRI e acompanha de perto suas empresas investidas e com uma estratégia de longo prazo. O fundo prefere esgotar seus esforços de engajamento individuais e coletivos. Por exemplo, o Nordea é um dos membros do Investors Iniciative for Sustainable Forest, um projeto que o PRI coordena para melhorar o monitoramento das empresas da cadeia de carne e soja. A percepção de risco e a estratégia de investimento são aspectos que dependem de cada gestora. Mas, o movimento do Nordea acende uma luz amarela certamente. No mesmo setor da JBS, a iniciativa da Marfrig, de passar a rastrear todo o gado abatido, foi um exemplo bem recebido pelos investidores. A meta da empresa é implementar o rastreamento completo até 2025, evitando comprar gado em áreas desmatadas mesmo indiretamente.
Em resposta, a JBS afirmou que está totalmente comprometida com a erradicação do desmatamento e que seus instrumentos de governança são rígidos. A empresa lamentou não ter sido procurada pelo Nordea para apresentar suas ações. Pioneira da temática ESG no Brasil, a Fama Investimentos afirma que o País está ao menos 30 anos atrasado em relação a esse assunto, que vem ganhando cada vez mais os holofotes mundiais. Muitos investidores ainda têm o foco só no financeiro, mas fundos como o Nordea, a Fama, exercem sua responsabilidade de não compactuar com determinadas práticas. Os investidores ainda são míopes em relação ao futuro dessas empresas, já que companhias que desmatam e poluem terão piores negócios, seja porque perderão mercado de médio a longo prazos, seja porque os consumidores migrarão para outras marcas. A Fama, um dos únicos fundos brasileiros signatários de um manifesto global no ano passado para a defesa da Amazônia, destaca que empresas ao redor do mundo estão se comprometendo para serem neutras na emissão de carbono e que, nesse sentido, a Amazônia tem um papel relevante para que isso possa ser feito.
O Brasil poderia, assim, ser um dos maiores exportadores do mundo em crédito de carbono, mas deve perder essa oportunidade por conta do descaso do governo com a Amazônia. Durante muito tempo o Brasil não debateu sobre direitos humanos ou meio ambiente. O mercado financeiro trata, há décadas, esse assunto como se fosse de esquerda e repudiava esses temas. Agora, o assunto chega aqui com força e o mercado financeiro brasileiro ainda é ignorante sobre esse assunto. No geral, acaba prevalecendo a questão comercial. Muitos falam do tema porque atrai investidores. A ameaça de saída de investidores do Brasil começou no ano passado, momento em que as queimadas na Amazônia sofreram uma escalada, com a crise sendo mitigada pelo governo de Jair Bolsonaro, que recebeu, na época, críticas de líderes de grandes potências mundiais, como a França. Neste ano, os investidores elevaram o tom e neste mês dez fundos estrangeiros se reuniram com o vice-presidente Hamilton Mourão, que é o presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, e solicitaram que o Brasil reduza suas taxas de desmatamento.
Provando relevância sobre o tema, os três grandes privados, Bradesco, Itaú Unibanco e Santander lançaram semana passada um plano conjunto para promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia. A proposta inclui dez medidas, como estímulo às cadeias sustentáveis na região e viabilização de investimentos em infraestrutura básica para o desenvolvimento social e ambiental. O cronograma prevê a implementação desses itens ainda em 2020. O KLP, maior fundo de pensão da Noruega, com US$ 80 bilhões em ativos sob gestão, investe em 58 companhias brasileiras e já baniu a JBS, além de Vale e Eletrobras, de sua carteira. Todos os investimentos da Fama são monitorados continuamente. Se houver algum risco inaceitável, de corrupção, de contribuição para violação de direitos humanos ou degradação do meio ambiente, a empresa toma a decisão de desinvestir nessas empresas. O KLP conta que a Vale foi excluída por questões ambientais e de direitos humanos. A Eletrobras, por risco de corrupção. Há regras bem restritas de investimento e ao redor de 600 empresas estão excluídas da carteira.
O KLP alerta que quando o fundo resolve parar de investir em empresas, acaba sendo seguido por outros gestores. Quando a KLP desinveste de uma empresa, o faz de maneira transparente, com um raciocínio completo por trás de nossa decisão. Isso torna mais fácil para outros investidores usarem as informações e seguirem as decisões em seus aportes. Antes do KLP, o fundo de pensão sueco AP1 já havia banido a Vale de suas carteiras, se desfazendo de ações e bonds que tinha da empresa. Para um gestor em Nova York, as assets dos Estados Unidos ainda estão "um passo atrás" em relação à Europa nos investimentos sustentáveis, mas é questão de tempo até que alguns fundos norte-americanos mais preocupados com esses investimentos sigam o exemplo dos europeus e comecem a ser mais seletivos com empresas brasileiras. O tema ESG vem ganhando cada vez mais espaço na comunidade de investimentos norte-americana e deve ter impulso ainda maior caso os democratas vençam as eleições presidenciais de novembro. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.