06/Nov/2020
Depois de muitos anos de pressão do setor sucroalcooleiro do Brasil, a Organização Internacional do Açúcar (OIA) atendeu à demanda do País e decidiu incluir o etanol em seu mandato de atividades. Até então, a instituição tinha como foco apenas o açúcar, mas os produtores enxergam na ampliação do seu trabalho a possibilidade de fazer o consumo do combustível mais do que dobrar no mundo no curto prazo com um avanço relativamente pequeno da produção, já que a entidade funciona como uma espécie de vitrine para o setor. A mudança ocorre justamente em um momento em que os usineiros enxergam a possibilidade de conquistar mais mercado global com as chances de o candidato democrata à presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, vencer a eleição norte-americana, já que o partido sempre teve uma agenda ambiental mais ampla do que os republicanos. O membro da OIA mais difícil de convencer foi a União Europeia (UE), responsável pela maior participação orçamentária da Organização e, consequentemente, com mais poder de voto.
O bloco comum argumentava que a produção de mais cana-de-açúcar para a fabricação de etanol pudesse ter consequências negativas para o meio ambiente. Havia muitas reticências com o etanol, por causa de possíveis impactos ao meio ambiente, mas mostrou-se que não, e os membros aceitaram, aprovando a ampliação do mandato de forma unânime. No processo de convencimento, o País se valeu de palestras virtuais de empresas e da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) sobre o potencial do setor e voltadas para a importância do combustível como fonte de energia limpa. Por causa da pandemia de coronavírus, a intenção de fazer uma aproximação corpo a corpo com importadores durante o seminário internacional anual da entidade, que costuma ocorrer em Londres nos meses de novembro, no entanto, terá de ocorrer também de forma remota, como será o evento este ano. No Reino Unido, houve um aumento das restrições de mobilidade por causa da segunda onda de Covid-19.
Um dos pontos de defesa do Brasil foi o de que o mandato também voltado para o etanol poderia auxiliar de forma indireta no equilíbrio do mercado em momentos em que a oferta de açúcar excede em muito o consumo, com os usineiros voltando suas atividades para o combustível, prática que já ocorre no Brasil com alguma frequência. Nesses momentos, os preços internacionais costumam cair drasticamente, dependendo da diferença entre a quantidade de produto disponível e comprado. A Única lembrou que nas duas últimas safras, os preços do açúcar estavam pouco atrativos para o produtor por causa da maior oferta da Índia, Tailândia e da União Europeia, mas o Brasil decidiu retirar do mercado 10 milhões de toneladas de cana-de-açúcar para produzir etanol. Os produtores conseguiram uma renda de 15% a 20% maior e evitaram um colapso mundial de açúcar. Na realidade, com exceção do ano passado, nos últimos três, quatro anos houve excesso de oferta.
Apesar de o pedido ter sido encabeçado pelo Brasil, países da África e da Ásia, além de outros localizados em áreas tropicais ou subtropicais, também poderão se beneficiar de um maior consumo de etanol no mundo, já que muitos deles passaram a ser mais dependentes da commodity. Tailândia e Índia, inclusive, se tornaram nos últimos anos fortes concorrentes do Brasil, conhecido há décadas como maior produtor e exportador mundial de açúcar. Oferecer a possibilidade de diversificação da atividade ajuda a reduzir seu risco e a aumentar a possibilidade de renda desses países. Paralelamente ao trabalho da OIA, alguns países passaram a ter regras mais rígidas para o consumo de açúcar por questões de saúde, o que os produtores enxergam como uma "vilanização" do açúcar. No Brasil, o Ministério da Economia chegou a falar em aumentar o imposto sobre produtos que utilizam muito açúcar em sua composição, como ocorre em alguns países principalmente da Europa, mas a intenção foi barrada pelo presidente Jair Bolsonaro, alegando que o açúcar é uma fonte de energia importante para a população mais pobre.
A Unica está ciente de que há uma desaceleração ou mesmo redução do consumo da commodity nos países ligados à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas salienta que em países da África e da Ásia a demanda tem apresentado um crescimento de 2,5% a 3,5% por ano. Uma forma de ampliar o consumo de etanol no mundo é por meio de aumento da mistura de álcool anidro na gasolina. No Brasil, a parcela é de 27%, mas nos Estados Unidos, onde a maior parte do produto tem origem no milho, é de 10%, enquanto países como Índia e China apresentam médias nacionais de 6% e 3%, respectivamente. Em todo o mundo, a média mundial do consumo de etanol (hidratado e anidro) é de 6%. É possível chegar a 12%, 15% facilmente sem causar qualquer tipo de prática não aceitável, sem desmatar. Está claro que o etanol pode ser uma das soluções do mundo para diminuir a poluição no planeta. Mesmo os carros elétricos podem ter uma aparência sustentável, mas podem acabar sendo uma fonte de poluição nos casos em que a energia utilizada para reabastecimento provém de fontes como o carvão.
Neste século, deve haver uma pluralidade na forma de mobilidade e o etanol deve ser incluído. Uma das formas de fazer o uso de etanol ser mais disseminado no mundo é por meio de políticas públicas, como as que o Brasil já adota há alguns anos. Por isso, o País terá papel importante nessa nova fase da OIA. Além da exigência de mistura mínima, alguns Estados brasileiros adotam um diferencial tributário para tornar o combustível mais atrativo economicamente em relação à gasolina. Essas políticas públicas, no entanto, devem visar ao longo prazo, para que o setor possa atrair mais investidores. A instituição fez um exercício para ajudar no debate, demonstrando que para a produção atender um aumento da mistura de 6% para 15%, seria necessário um adicional 120 bilhões de litros por ano. Isso equivaleria a 19 milhões de hectares plantados no mundo. Parece muito, mas segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) representaria 0,40% de todas as terras aráveis do mundo. O Brasil consome 30 bilhões de litros de etanol por ano. Para efeito de comparação, os Estados Unidos consomem 57 bilhões de litros.
No caso de os Estados Unidos decidir ampliarem sua demanda, esta diferença teria de ser suprida pelo produto oriundo da cana-de-açúcar, e não do milho. Sobre a eleição norte-americana, a Única comentou que a perspectiva é a de que uma vitória de Biden teria maior incentivo para o biocombustível, pois os democratas têm uma agenda mais ambiental dos que os republicanos, e isso pode ser um estímulo maior. Por causa de seus impactos bem menos agressivos ao meio ambiente, os biocombustíveis vêm sendo tema de estudos e relatórios de várias entidades internacionais, como as próprias FAO, OCDE e a Agência Internacional de Energia (AIE). A pressão crescente para reduzir as emissões e substituir os combustíveis fósseis está levando à maior gama de biocombustíveis, como etanol, biodiesel e biometanol e outros combustíveis verdes. E é exatamente neste contexto que os produtores brasileiros veem uma oportunidade. É um momento para os países passarem a considerar o etanol por causa dos gases efeito estufa e da poluição nas grandes cidades. O produto é 90% menos emissor de gases de efeito estufa do que a gasolina. No Brasil, a substituição da gasolina pelo etanol no ano passado foi de 48%. Fonte: Agência Estado. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.