ANÁLISES

AGRO


SOJA


MILHO


ARROZ


ALGODÃO


TRIGO


FEIJÃO


CANA


CAFÉ


CARNES


FLV


INSUMOS

30/Apr/2024

Suíno: caça recreativa de javalis ameaça agronegócio

Sob o pretexto de proteger lavouras e rebanhos, o governo Jair Bolsonaro autorizou arsenais para civis eliminarem javalis, espécie considerada praga na agropecuária. Mas, a maioria dos caçadores não caça nada, só aproveita as regras para obter armas pesadas. E o que seria a solução para o problema criou novos: áreas de incidência surgindo de forma suspeita, armas usadas em crimes, animais em extinção abatidos e um mercado de caça recreativa no qual o javali vivo é negócio, o que contradiz o plano de proteção ao agronegócio. Quanto maior o bicho abatido, mais prestígio ao caçador. Os machos podem pesar mais de 200 Kg e são os mais visados. Isso contraria a orientação de boas práticas de controle, que recomenda exterminar fêmeas e filhotes para cessar a reprodução. Mas, estes aparecem em vídeos divulgados em grupos de caçadores sendo soltos e até comercializados. Um casal de filhotes pode ser encontrado à venda ilegalmente na internet por R$ 1,3 mil. O número de CACs (caçadores, atiradores e colecionadores de armas) cresceu 7 vezes desde 2018.

Na gestão Bolsonaro, caçadores podiam ter 30 armas, sendo 15 de uso restrito, e até 165 mil munições por ano. Na prática, isso não serviu à caça, mas à ampliação de arsenais privados. Agora, o limite é de 6 armas e até 3 mil munições, com necessidade de autorização pelo Ibama. Uma auditoria do TCU confirmou que a maioria dos 574,6 mil caçadores autorizados pelo Exército entre 2019 e 2022 não queria matar javalis. Só 59,6 mil deles pediram ao Ibama, ao menos uma vez, autorização para caçar (10,3% do total). Dos 50 com os maiores arsenais, só 22 pediram. De fato, os javalis são um problema no Brasil. Originário da Europa, Ásia e norte da África, o bicho foi introduzido no País a partir dos anos 1960 como alternativa ao consumo da carne suína. O plano fracassou e a espécie nunca foi controlada, apesar de ser a única que pode ser caçada no País sob regras editadas em 2013. O javali se reproduz com facilidade, destrói lavouras e oferece riscos à pecuária e aos humanos com transmissão de doenças e poluição de nascentes.

Uma consequência da popularização das armas para conter a espécie surge em processos criminais em Goiás, Minas, São Paulo e Distrito Federal. Há casos de caçadores respondendo por uso de arma contra amante da esposa, em briga de trânsito, em intimidação e homicídio. Os documentos ainda contam histórias de caçadores flagrados pela polícia com armas irregulares e animais vivos, o que é ilegal e mantém ameaças a fazendas. O presidente da Associação Brasileira de Caçadores responde por infrações ambientais em Monte Azul (SP), Florianópolis (SC) e Paracatu (MG). Uma das multas é por exibir imagem de duas onças-pintadas, espécie ameaçada de extinção, "em situação de abuso e maus-tratos". Ele se diz perseguido pelo Ibama. Enquanto o problema do javali se aprofunda, a caça se consolida como mercado de aventura. Há um público armamentista que gosta de sair à noite para matar javalis a tiros e exibi-los em grupos especializados e nas redes sociais. A manutenção dos javalis vivos é uma preocupação que aparece em grupos de caçadores monitorados pelo Ibama.

"Se estes javalis acabarem ou diminuírem a ponto de o Ibama encerrar este controle, teríamos de voltar a atirar somente em clube de tiro", diz um caçador em publicação registrada em relatório do instituto. Técnicos que atuam no controle de pragas, pesquisadores e agentes ambientais concordam que a arma de fogo é fundamental para controlar os bichos, mas a caça recreativa não objetiva eliminar a espécie invasora da forma mais eficaz e com os melhores métodos ambientais e sanitários. O Ibama criou um grupo de trabalho para revisar regras que norteiam o chamado "manejo ativo" de javalis no País. A proposta é fazer um pente-fino nas normas que regem a atividade, rediscutir a forma como os dados são fornecidos por caçadores e fazer "raio X" nos disponíveis. A associação de caçadores diz que o argumento de que a caça recreativa dos javalis prejudica o agronegócio não passa de "narrativa" e que a dispersão dos animais se dá pela burocracia estatal, mais lenta do que a reprodução dos bichos. O baixo percentual de caçadores que efetivamente caçam, segundo a entidade, se deve a uma mera formalidade de cadastro: para obter o Certificado de Registro junto ao Exército bastava assinalar "atirador" e "caçador" para que o título fosse liberado, sem exigências adicionais.

Por conveniência, muitos pediam as duas coisas. Sobre o abatimento de fauna nativa, afirma que são casos isolados. A respeito da predileção dos caçadores em exibir os maiores animais abatidos, ele diz ser preciso se preocupar com a imagem do segmento. "Não fica bem exibir determinados conteúdos. Para que vou mostrar uma fieira com dez leitõezinhos mortos?" A caça do javali é permitida no Brasil, desde que uma série de regras seja cumprida. A prática se popularizou no governo de Jair Bolsonaro, quando saltou de 826 para 2.010 o total de cidades com registros de presença do bicho. A dispersão da incidência de javalis pelo território nacional é considerada suspeita por especialistas e técnicos ambientais. Os "saltos geográficos" entre as cidades com registros da espécie invasora são apontados como indícios de que a ação humana pode estar por trás do alastramento do javali, considerado uma praga para o meio ambiente e para o agronegócio. No entanto, todos os dados são vistos com ressalvas, pois são baseados na autodeclaração dos caçadores enviada ao Ibama por meio do Sistema de Controle de Fauna (Simaf).

Não há um levantamento preciso sobre a real incidência do javali nas diferentes regiões do Brasil. Os dados do Simaf levam em conta somente as notificações de javalis abatidos. A dispersão dos javalis não é natural. Uma distribuição natural seria por ondas contínuas ocupando os terrenos. A distribuição segue os principais modais rodoviários. Há áreas relatadas de ocorrência de javalis cujas manchas não possuem conexão com nenhuma outra área onde ele já ocorra. Ou seja, o javali foi levado para lá ou estão mentindo sobre sua existência para poderem acessar armas e poderem sair para caçar, inclusive silvestres, diz o Ibama. Os representantes dos caçadores, por outro lado, afirmam que a reprodução do javali é mais rápida que a burocracia estatal necessária para liberar os manejadores e o resultado é o descontrole da praga. A criação informal foi, sim, o principal fator dispersor lá atrás. Mas, isso não tem nada a ver com caça. A associação também nega que os caçadores contribuam para distribuir populações de javalis pelo País. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.