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09/Jun/2025

Boi: entrevista com pecuarista Pedro de Camargo

A pecuária brasileira entra em uma nova fase: tem finalmente o reconhecimento de país livre de febre aftosa sem vacinação. A chancela foi referendada em assembleia da Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA) e o certificado recebido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na sexta-feira (06/06). Mas, o Brasil precisará intensificar medidas de prevenção e controle para manter o novo status sanitário. O alerta é do empresário e pecuarista Pedro de Camargo Neto, ex-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e ex-secretário de Produção e Comércio do Ministério da Agricultura. "Duas questões são cruciais para controle e combate da febre aftosa: vigilância e emergência.

O Brasil terá de aprimorar as políticas de saúde animal para evitar a entrada do vírus no rebanho", disse Camargo Neto. O Brasil já estava em nível sanitário avançado ante outros países produtores, considerando que o último foco da doença no País ocorreu em 2006, mas o reconhecimento oficial pela OMSA vai ajudar em futuras aberturas de mercado para a carne bovina brasileira. "Certamente o selo ajuda, porque dificulta atos protecionistas que se escondem com argumentos sanitários", destacou Camargo Neto. Ele foi fundador e presidente do Fundo de Desenvolvimento da Pecuária do Estado de São Paulo (Fundepec), que liderou os trabalhos de controle e erradicação da aftosa no Estado desde 1991. Segue a entrevista:

O que esse novo status sanitário representa para a pecuária brasileira?

Pedro de Camargo Neto: O Brasil livre de febre aftosa sem vacinação representa um setor organizado e moderno. Aceitar conviver com uma doença que poderia ser erradicada era um sinal negativo. O Brasil, o setor público, trabalha há meio século para conquistar esse certificado. O pecuarista passou a debater e organizar sua participação de apoio ao setor público na questão em 1991.

Há risco para o País e para o rebanho com a retirada da vacina?

Pedro de Camargo Neto: Acidentes acontecem. Fatalmente um dia chega. A Europa registrou um foco agora em 2025, depois de 50 anos sem ocorrência, Japão e Coreia do Sul uma década atrás, Inglaterra duas décadas atrás. Precisamos estar conscientes e preparados.

Qual é o nível de risco de entrada do vírus no País a partir dos países vizinhos? A aftosa está controlada nesses países?

Pedro de Camargo Neto: O controle no Paraguai melhorou muito e até mesmo na Bolívia. Porém, o vírus pode entrar via animal silvestre e não necessariamente um bovino.

Na sua opinião, o sistema de defesa agropecuária brasileiro está, de fato, preparado para impedir a entrada do vírus novamente no País sem vacinação?

Pedro de Camargo Neto: O setor público federal e estaduais avançaram. Não estaríamos na condição atual sem esse avanço. Mas permanecerão preparados? Terão orçamento, funcionários preparados e bem remunerados, infraestrutura necessária para atuarem de qualidade, seus dirigentes atentos que o risco existe e a decadência é inaceitável?

Neste sentido, quais ações dentro da porteira e políticas públicas têm de ser prioritárias nessa nova fase da pecuária brasileira?

Pedro de Camargo Neto: São duas grandes questões: vigilância e emergência sanitária. Vigilância implica em um setor público preparado e atuante e o próprio pecuarista consciente e preparado pois em eventuais focos será o primeiro a identificar a doença. Em suspeita de febre aftosa, o pecuarista deve imediatamente comunicar à autoridade pública local para as ações de emergência: circunscrever e impedir o avanço do vírus. O avanço da aftosa é muito rápido e fácil, e agora encontrará um rebanho não imunizado. Portanto, um eventual foco da doença no futuro será muito mais complexo do que os que tivemos que encontraram um rebanho, mesmo que parcialmente, imunizado.

A manutenção de um banco de antígenos para a doença é suficiente?

Pedro de Camargo Neto: É necessário e insuficiente. Precisamos de boas políticas de saúde animal.

Sem a comprovação natural pela vacinação, as campanhas de cadastramento de rebanhos são eficazes para controlar o número de animais, áreas de risco e localização do rebanho? Há outra alternativa?

Pedro de Camargo Neto: Febre aftosa não é a única doença que afeta o setor e está longe de ser a pior. Foi a que teve atenção por causar um prejuízo econômico. Estamos aceitando conviver com tuberculose, brucelose, raiva bovina e muitas outras. Todos têm muito o que fazer ainda.

O setor produtivo vem há anos pleiteando um fundo nacional para defesa sanitária, cobrindo indenizações também para outras doenças. É uma oportunidade desse fundo sair do papel?

Pedro de Camargo Neto: A vigilância essencial que o produtor precisa fazer exige educação e conscientização. Ele será o primeiro a identificar a doença. Precisa estar preparado para comunicar à autoridade local. É essencial que o produtor saiba que será indenizado correta e rapidamente ou pode tender a esconder e o prejuízo será muito maior, para ele e para todos, se fazer isso. O importante é o produtor saber que precisa atuar pelo coletivo e não terá prejuízo individual por ajudar o todo.

Em relação ao reconhecimento sanitário, esse selo coloca o Brasil em um novo padrão de sanidade mundial?

Pedro de Camargo Neto: Já estamos, vide que o último foco foi em 2006. Certamente o selo ajuda, porque dificulta atos protecionistas que se escondem com argumentos sanitários.

O senhor vê com otimismo então o potencial de aberturas de novos mercados para carne bovina brasileira? Finalmente o acesso da carne brasileira ao Japão será destravado?

Pedro de Camargo Neto: Cai um forte argumento para manter o mercado fechado, mas não será automático. Precisamos continuar pressionando.

A potencial abertura de mercados mais remuneradores e reconhecidos pela exigência de qualidade pode estimular a maior produção de carne premium no Brasil?

Pedro de Camargo Neto: Esse é um processo que vem ocorrendo, o que passa a ser facilitado. É uma construção iniciada décadas atrás que vamos ver acontecer.

E para o pecuarista, dentro da porteira, sua produção tende a ser mais valorizada?

Pedro de Camargo Neto: Certamente, porém, também não é imediata e automática. O consumidor precisa reconhecer a qualidade o que pouco a pouco vem ocorrendo. A demanda precisa ser construída.

Fonte: Broadcast Agro.