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23/Jan/2023

Entrevista com o ministro da Pesca e Aquicultura

À frente do recriado Ministério da Pesca e Aquicultura, o ministro André de Paula elege como desafio a retomada da exportação de pescados brasileiros à União Europeia (UE). As exportações do produto foram suspensas em 2018 pelo próprio Ministério da Agricultura, por recomendação das autoridades sanitárias europeias. O fim do embargo é uma das principais demandas do setor produtivo ao novo governo. É uma prioridade porque trata-se do maior mercado consumidor da pesca brasileira até 2018. O perfil do governo facilita, porque é um governo que aposta no diálogo com outros países. Do ponto de vista técnico, há condições para que a retomada ocorra. No âmbito orçamentário e fiscal, a desoneração do PIS/Cofins para a ração usada na aquicultura, e que já vale para frangos e suínos, é um dos temas prioritários. Se levar em conta que ração é insumo que pesa quase 70% (no custo total da atividade), se entende a importância da questão para o setor. Em relação ao orçamento da pasta, houve aumento dos R$ 200 milhões previstos na PEC da Transição para mais R$ 300 milhões. Mas, o ministro vai buscar superar os R$ 650 milhões (orçamento da pasta em 2015 quando foi extinta) para 2024. Segue a entrevista:

O senhor assumiu um ministério novo, recriado, montou a equipe e recebeu as demandas do setor. Quais são suas prioridades neste momento?

André de Paula: É um desafio muito grande. É uma pasta de um setor econômico de enorme potencial, com necessidade urgente de ter nitidez quanto à sua liderança. Foi isso que o presidente Lula considerou quando recriou a pasta. Quando tivemos a interrupção do fornecimento para a Europa, uma das fragilidades apontadas é que faltava nitidez quanto a liderança da área no governo. Ora fomos vinculados à Presidência da República, ora fomos uma secretaria vinculada ao Ministério da Agricultura, o que também gera instabilidade jurídica. Tenho buscado montar uma equipe consistente, do ponto de vista técnico, e dar responsabilidade na gestão com pessoas que têm vivência no setor. Temos três secretários anunciados e são todos técnicos e do setor, que serão fundamentais para fazermos um bom trabalho. São Carlos Mello na Secretaria Executiva, Flávia Lucena para a Secretaria Nacional de Registro, Monitoramento e Pesquisa e Cristiano Ramalho na Secretaria Nacional de Pesca Artesanal. Nesses primeiros 100 dias, quero deixar na pasta marcas que são transversais no governo Lula. A primeira é ampliar a participação do setor da pesca nas decisões. Destaco, de forma especial, os pescadores artesanais que reivindicam serem ouvidos, prestigiando fóruns que incluam pescadores, fazendo com que sejam copartícipes das decisões. Há recomendação do governo Lula de colocar essa marca da democratização e inclusão nas nossas principais ações aqui na Pesca. Ainda nos primeiros 100 dias, o foco é arrumar a casa, porque estamos recomeçando um caminhar e reafirmando o ministério como um ministério. É uma estrutura enxuta que deve ser muito eficiente.

A sua gestão começa com um orçamento de cerca de 200 milhões, mas o grupo técnico da equipe de transição apontava para a necessidade de R$ 650 milhões em recursos, que era o orçamento da pasta em 2015, quando foi extinta. Ainda há espaço para reajuste? Pelo diagnóstico da pasta, esses recursos são suficientes neste momento de recriação?

André de Paula: Já temos uma grande vitória na questão orçamentária. Antes da votação da PEC da transição havia a previsão de R$ 19 milhões de orçamento para a área, como secretaria dentro do Ministério da Agricultura, e conseguimos elevar para mais de R$ 300 milhões já no primeiro momento. Isso não é suficiente. No próprio grupo técnico, trabalhávamos com a meta de R$ 650 milhões, mas para quem tinha R$ 19 milhões R$ 300 milhões já é um grande avanço. Não tenho dúvida que, na articulação com o Congresso Nacional, na busca de emendas parlamentares e com o trabalho que iremos fazer, no próximo orçamento poderemos avançar para recursos que consideramos ideais. Estamos em um governo com 37 orçamentos, de 37 pastas, e acho que o fato de ser um líder político me ajuda a consolidar a reestruturação do ministério para que seja mais percebido politicamente. Além disso, temos dificuldades regulatórias que passam pela modernização do arcabouço jurídico que passa pelo Congresso Nacional. Não terei nenhuma dificuldade para fazer essa articulação e estreitar o canal.

Então, para 2024, o senhor pensa em buscar os R$ 650 milhões para o orçamento da pasta?

André de Paula: Se eu puder, vou superar os R$ 650 milhões. Vou envolver todo o meu partido, buscarei partidos aliados da base do presidente Lula e conversarei com o relator do orçamento. Até lá, estaremos em outro estágio no trabalho do ministério com clareza sobre as prioridades e necessidades. R$ 650 milhões era o número inicial, previsto no ano passado. Se depender de mim, superamos essa marca. Precisamos dar à pesca e à aquicultura a importância estratégica que elas têm. Há grande distância para ser superada quanto à posição que a pesca ocupa na economia do mundo e na nossa.

Uma das principais demandas do setor, entre as quais o senhor recebeu, é a retomada das exportações para União Europeia, suspensas desde 2018. Como o senhor pretende enfrentar essa questão?

André de Paula: Essa é uma enorme prioridade, porque estamos tratando do maior mercado consumidor da pesca brasileira até 2018. Acredito que o perfil do governo facilita muito essa retomada, porque é um governo que aposta no diálogo com outros países. O líder do governo Lula nesse movimento não é o chanceler, é o próprio presidente. Em todas as áreas, percebemos que essa relação irá melhorar e que há no mundo celebração da retomada das relações. Nosso dever de casa é reunir todas as informações que mostram, que do ponto de vista técnico, há condições para que a retomada ocorra. Quando estive com o presidente Lula, juntamente com os demais ministros do meu partido, Carlos Fávaro, da Agricultura, e Alexandre Silveira, de Minas e Energia, ele deixou claro que a retomada das relações comerciais com o mercado europeu era uma prioridade dele. Com informações técnicas, pretendo buscar adidos comerciais, estreitar relação com o Itamaraty e colocar isso na pauta diária dos secretários. Tenho confiança de que rapidamente superaremos esse desafio.

Além da UE, há outros mercados que podem ser abertos e que estarão na linha de frente da pasta?

André de Paula: Uma das áreas apontadas aqui como possibilidade que deve ser perseguida é o mercado do Reino Unido. É algo que temos foco, que a equipe aqui já trabalha e que iremos priorizar junto com Itamaraty e com adidos.

Outro pedido do setor é a isonomia da tributação com a desoneração do PIS/Cofins sobre a ração utilizada na aquicultura, assim como ocorre para frangos e suínos. Estamos em momento de reajuste na política fiscal e de orçamento apertado. É uma demanda viável de ser alcançada neste cenário?

André de Paula: Quando aceitei o convite e levei ao presidente Lula algumas prioridades centrais do setor, a retomada do mercado europeu e a isonomia tributária foram levantadas. Ele reagiu muito bem. O presidente Lula, assim como eu, também não consegue compreender que essa isonomia não exista. A ausência dela não se justifica. Se levar em conta que ração é um insumo que pesa quase 70% (no custo), se entende a importância da questão para o setor. Qual o critério para que o peixe não possa ter esse tratamento? Claro, que iremos perseguir, visitar instâncias, dialogar e pactuar condições. Acho isso muito razoável em um governo que tem preocupação com isonomia. Tenho otimismo de que poderemos avançar nessa questão e envolverei todas as lideranças políticas para que isso ocorra, como a bancada parlamentar da pesca.

O setor também pede a criação de uma política nacional de fomento da pesca e a implantação do Plano Nacional de Desenvolvimento da Aquicultura. Estes projetos serão também trabalhados pela sua pasta?

André de Paula: Sem dúvidas. Acho que o perfil do governo, de querer ouvir as pessoas, estar ao lado de quem produz e querer avançar nos marcos regulatórios, ajuda muito nisso. Seguramente construir esses dois marcos envolverá o setor por inteiro. É também prioridade da nossa gestão. Essas políticas estão sendo discutidas internamente, mas a partir de agora com a nova equipe chegando e com a sinalização de que essa é uma pauta a ser perseguida diariamente, elas terão outro ritmo.

O presidente Lula prometeu a recriação do ministério, especialmente para inclusão dos pescadores pequenos e artesanais na atividade. Como o ministério atuará para inserção e profissionalização dos pequenos?

André de Paula: Esse é um governo de todos e que tem na inclusão, sobretudo daqueles que mais precisam do Estado, prioridade absoluta. Apoiar o pequeno pescador, o pescador artesanal e incluí-lo formalmente na atividade é uma prioridade, mas isso vai passar pela retomada e valorização dos fóruns que permitem a participação das comunidades ribeirinhas. Eu próprio quero ter um papel muito pró ativo nessa questão. O secretário da Pesca Artesanal, Cristiano Ramalho, teve um trabalho firme e tem sólido apoio dos movimentos sociais da pesca. Daremos importância e valorização a esse setor porque, de fato, é uma preocupação transversal do governo. É preciso que se tenha sentimento de pertencimento ao Ministério. Se ao final da minha gestão, esse pescador tiver a noção da importância desse ministério e do papel que ele cumpre, minha missão estará cumprida.

O setor produtivo, inclusive, era contrário à recriação do ministério.

André de Paula: A própria instabilidade institucional contribui para cismas setoriais. Uma parte da pesca industrial tem essa preocupação e achava que o ministério pudesse colocar energia demasiadamente em determinada ação em detrimento de outras. Meu objetivo é fazer com que a pesca artesanal, industrial e a aquicultura se sintam igualmente prestigiadas, partícipes e objeto das políticas públicas, pois serão envolvidos e terão um ministro com acesso permanente.

O senhor defendeu na sua posse a retomada da emissão de licenças para embarcações pesqueiras e o setor pede digitalização do processo. São temas que serão tocados em paralelo?

André de Paula: Pelas informações que tenho em três semanas de governo, a preocupação é que temos dez anos sem pesquisa consistente para que possa nortear as ações do ministério. Todas essas ações passam pela Secretaria Nacional de Registro, Monitoramento e Pesquisa e Estatística, a qual a professora Flávia Lucena ficará à frente. Essa é uma área muito importante do ministério. Ainda não possuo os números e as informações necessárias para fazer as proposições do ministério, mas asseguro que essa área está dentro das minhas prioridades. Precisaremos redimensionar as equipes e talvez esta seja uma das mais que precisam de reforço. Tenho o compromisso de dar a esse departamento, do ponto de vista estrutural, a importância que ele tem, porque sei que não podemos avançar na pesca se não tivermos clareza e diagnóstico dos números da atividade.

E sobre o monitoramento de estoques pesqueiros e o foco nas estatísticas como alvo, também prometidos pelo senhor, são ações que envolverão apoio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que já monitora estoques e possui estatísticas de outros produtos agropecuários?

André de Paula: Começaremos a discutir essa questão como prioridade daqui para frente. Entendo que é fundamental ter a clareza sobre esses números e iremos construir estratégia com a secretária Flávia. Estamos começando a trabalhar nisso agora, mas procuraremos todos os parceiros que possam nos ajudar nessa questão.

O senhor vem falando em trabalho conjunto com o ministro Fávaro, mas sabemos também que uma parte de seu trabalho passa pelas questões ambientais de registros, normas e controle dos recursos pesqueiros. Este tema será trabalhado em conjunto com o Ministério do Meio Ambiente?

André de Paula: Sem dúvidas. Aliás, tive uma experiência muito boa com a ministra Marina Silva quando presidi a Comissão Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, precisei mediar conflitos de interesses da bancada ambientalista e ruralista e ela era a ministra. Hoje ela é mais que ministra, é um símbolo muito importante para o Brasil. Não dá para voltar a fornecer para o mercado europeu se não sinalizarmos o respeito absoluto às questões ambientais. Na semana passada, por exemplo, recebemos deputados estaduais e presidentes de associações de Mato Grosso que estavam apreensivos com o início da pesca do pintado que começa em 1º de fevereiro. Para que isso ocorra com legalidade, precisamos que o MMA publique uma portaria que aponte que a pescaria deve ser liberada e que não há nenhum efeito negativo sobre o meio ambiente, o que é fruto de um estudo. Vou à ministra pedir que possamos fazer isso com celeridade. O diálogo será permanente com o MMA e facilitado porque tenho enorme respeito e admiração pela ministra.

Por fim, sabemos que a balança comercial em pescados hoje é negativa. A importação é de cerca de 350 mil toneladas de pescados de filés por ano, principalmente salmão e bacalhau, com desembolso de US$ 1,250 bilhão por ano. Haverá um planejamento estratégico na sua pasta para o País voltar a ser autossuficiente em alguns tipos de pescados e ter uma balança mais equilibrada?

André de Paula: Essa é uma meta, mas não chegaremos a ela sem um planejamento estratégico. Isso é prioridade de imediato para conseguirmos avançar. Estou promovendo a primeira reunião com secretários nacionais e estarei promovendo a integração com o setor. A partir daí, faremos monitoramento de metas e cumprimento dessas metas. Neste momento, é difícil falar em prazos, mas vamos perseguir com obstinação.

Fonte: Broadcast Agro.