06/Jul/2023
Na gastronomia brasileira, a banha suína é um dos ingredientes mais tradicionais. Além de ser usada para cozinhar e fritar alimentos, ela também já foi bastante utilizada como conservante em carnes, por exemplo. Mas, há quem esteja de olho em rever essa tradição de maneira tecnológica. É o caso da startup Cellva, que trabalha no desenvolvimento de gordura cultivada em laboratório: um produto cuja base são células extraídas de suínos e alimentadas dentro de biorreatores, sem necessidade de abate. Fundada em 2022, a Cellva é capaz de produzir 20 gramas de gordura suína a cada 21 dias, em seu laboratório em Porto Alegre (RS). Para isso, a empresa faz uma biópsia em um suíno, o que lhe permite ter acesso a um banco de células do animal. Após serem catalogadas e organizadas, as células são alimentadas em biorreatores com proteínas, carboidratos e sais minerais para gerar seu crescimento. Nos Estados Unidos e em Singapura, já há empresas com licenças governamentais para fabricar hambúrgueres e outros itens de proteína em laboratório, enquanto startups como a Finless Foods olham para mercados como peixes e frutos do mar.
A BRF, dona de marcas como Sadia e Perdigão, investiu na startup israelense AlephFarms, enquanto a JBS, holding de Swift e Seara, já anunciou investimentos de R$ 300 milhões para um laboratório de biotecnologia em Florianópolis (SC). A diferença é que, enquanto muitos olham para as proteínas, a Cellva pretende atuar com gorduras. Muita gente não pensa em gordura por questões estéticas, mas é um elemento que tem funções importantes para o organismo. Já houve várias revoluções na alimentação, como produtos orgânicos e produtos plant-based, que usam vegetais como imitação de carne, mas o consumidor não aderiu com tanto entusiasmo como se imaginava. Há um motivo para isso: muito da alimentação é baseado em memória afetiva, e o consumidor quer isso. A Cellva pretende mudar o mercado porque seu produto não é “tipo carne, ele é carne". Ressalta-se que o produto não é vegetariano nem vegano. Outro ponto reforçado pela empresa é a rapidez. Nesse sistema, a gordura pode ser feita em 21 dias. Na pecuária, leva três anos, o que permite à Cellva um ciclo de inovação rápido.
Além disso, é possível produzir uma gordura que afete menos a saúde, reduzindo o nível de gordura saturada e de ácidos graxos. O impacto que uma empresa como a Cellva pode causar no meio ambiente, porém, ainda é uma incógnita. Críticos e especialistas levantam a hipótese de que alimentar as células e os biorreatores pode demandar grande quantidade de recursos e de energia elétrica, o que aumentaria a pegada da "comida celular". Mas, a Cellva utiliza apenas energia de fontes renováveis (como usinas solares e hidrelétricas) e os rejeitos de sua produção são convertidos em biogás, reaproveitado também na geração de energia. A escala é um dos desafios da empresa, uma vez que a quantidade de gordura que a empresa pode produzir depende de um grande número de biorreatores. Os sócios da empresa investiram cerca de R$ 1 milhão para os estágios iniciais de desenvolvimento do produto. Para avançar, a empresa busca uma rodada de captação, que permita multiplicar por dez sua produção e ajude a empresa a passar pela regulamentação dos órgãos responsáveis.
A ambição, porém, tem um horizonte bem maior. A ideia é ter uma fábrica pronta até o final de 2025 e produzir 11 mil toneladas de gordura até o final desta década. A regulamentação de produtos cultivados em laboratório deverá ser feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), mas ainda não tem data para acontecer. A expectativa é que a regulação aconteça até o final do ano que vem. Estudo recente da consultoria McKinsey aponta que o mercado de "carne celular" poderá atingir US$ 25 bilhões até o final desta década. A aposta na gordura, em vez de proteína, é um ponto que fortalece a estratégia da Cellva. Para dar a experiência de carne como se conhece, são necessárias três coisas: proteína, colágeno e gordura. Muitas empresas estão explorando proteínas e a produção de colágeno, que dá a textura da carne. Com a gordura, a Cellva pode ser uma grande fornecedora para complementar a cadeia e permitir um produto completo feito no laboratório. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.