14/Out/2022
Se as estimativas se confirmarem, o Brasil vai colher a maior safra de soja da história, com mais de 150 milhões de toneladas de produção. Segundo os levantamentos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), serão plantadas ao redor de 42,4 milhões de hectares, 1 milhão a mais do que na safra 2021/2022. Cerca de 40% das exportações de soja, farelo de soja e milho seguem para os portos via ferrovias visando o mercado internacional, comprovando a enorme relevância desse modal para o excelente desempenho internacional dos nossos grãos e derivados. O grande crescimento da produção, no entanto, não está sendo acompanhado por investimentos proporcionais nas ferrovias que farão o escoamento da safra recorde de soja do ano que vem. Essa afirmação requer qualificação para ficar bem clara: é preciso separar os investimentos em novas linhas férreas dos investimentos que visam a melhoria da produtividade e gerar maior oferta de capacidade nas linhas férreas em operação.
Pipeline de projetos em novas linhas férreas tem de sobra no Brasil, embora um dos mais importantes, a Ferrogrão, segue em cenário de grande incerteza. Mas, os casos que me preocupam são os atrasos já observados nos investimentos previstos nas repactuações de concessões já realizadas, notadamente o caso da Rumo Malha Paulista e das concessões da Vale, e a ausência de investimentos e a possível eliminação de trechos ferroviários que observamos na repactuação proposta para a Ferrovia Centro Atlântica. As renovações de concessões e repactuações são marcos importantíssimos para estimular aumento de capacidade e redução de custos das ferrovias. Mas, se há atraso nos investimentos comprometidos, o prejuízo se reflete no escoamento da nova safra, já que o produtor de soja segue com apetite de aumentar a produção e o mercado internacional segue com demanda crescente pela oleaginosa.
Embora sejam as consequências do fluxo abaixo do necessário de investimentos em ferrovias em operação, que aparecem como preocupação de curto prazo, o pipeline de construção de novas linhas férreas é prioridade quando se olha o médio prazo. O crescimento da produção nacional de granéis agrícolas e a expansão da fronteira agrícola exigem a expansão e a adequação da infraestrutura de transportes de forma a permitir o desenvolvimento de uma logística eficiente e de baixo custo, que garantam a competitividade da cadeia produtiva do agronegócio no mercado interno e, especialmente, no mercado internacional. Os investimentos na expansão das ferrovias se impõem pelas dimensões continentais do País, que exige o deslocamento de grandes volumes de cargas por grandes distâncias. As limitações fiscais do governo federal exigem uma forte participação dos investimentos privados para construção da infraestrutura ferroviária que o Brasil precisa.
O novo marco legal, criando o regime de outorga de ferrovias por autorização, abriu a possibilidade de simplificar e agilizar os processos de implantação de novos projetos de ferrovias. Nesse sentido, trata-se de uma inovação que precisa ser reconhecida e comemorada. No entanto, ele se limita às circunstâncias especiais em que é possível um retorno atrativo aos investimentos privados e não pode pretender ser o veículo principal para suprir o enorme déficit de infraestrutura ferroviária do Brasil, em especial nas regiões onde a ferrovia é um instrumento de alavancagem do potencial de crescimento da atividade produtiva, casos em que é fundamental a participação do Estado. Não podemos criar expectativas irreais em relação às possibilidades de a iniciativa privada suprir o País com a infraestrutura que precisa ser construída e modernizada. Se não forem exigidas garantias de execução às solicitações de autorização, já encaminhadas e muitas já aprovadas, corremos o risco de que, daqui alguns anos, elas não se realizem e apenas geremos um atraso maior na realização de investimentos fundamentais.
Além disso, é necessário avaliar os riscos que a outorga indiscriminada de autorizações pode representar para os usuários, pela instalação de um monopólio sem nenhuma regulação e eliminando mecanismos de defesa que foram construídos ao longo dos últimos anos, tais como: tarifas teto, garantia de atendimento adequado, compartilhamento de infraestrutura e defesa do usuário dependente. Além de apontar preocupações para os usuários, é preciso observar os desafios na visão do investidor. O caso da extensão da Rumo Malha Norte demonstra que apenas a autorização para construção não é suficiente, haja vista a dificuldade de licenciamento da obra em função do traçado ser adjacente a reservas indígenas. No caso do projeto da Ferrogrão, a questão são as Unidades de Conservação que podem manter o projeto em compasso de espera, como está hoje. É preciso estabelecer procedimentos que deem segurança ao investidor e minimizem riscos de judicialização ou denúncias pelo Ministério Público.
Por mais que o tema seja complexo, devido a legislações nacionais e acordos internacionais assinados pelo Brasil, estes não foram estabelecidos para impedir o investimento, mas para que o investimento ocorra mitigando efeitos indesejados. A opção pela judicialização é sempre a pior porque impede o investimento de ocorrer e não viabiliza a entrada de capital do investidor nas regiões do entorno da construção e a adoção de medidas positivas para as populações afetadas por tais investimentos. A cadeia de suprimentos do agronegócio precisa de uma infraestrutura ferroviária com ampla cobertura do território nacional, interconectada e integrada, onde concessionários e operadores independentes compartilhem as ferrovias, criando um ambiente competitivo na prestação de serviços de transporte ferroviário. Assim, precisamos usar todas as ferramentas disponíveis: repactuações e renovações de concessões, autorizações e investimentos público-privados, priorizando os investimentos que geram impactos positivos na produção de grãos. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.