14/Mar/2024
Estratégias aplicadas na restauração de áreas degradadas têm mostrado resultados promissores em terras do semiárido, melhorando as propriedades microbianas do solo e contribuindo para a volta de serviços ecossistêmicos nativos. Entre essas técnicas estão a retirada ou a restrição do acesso de gado a determinadas regiões de pasto; o cultivo de espécies para cobertura vegetal e a adoção de terracing, procedimento que modifica a topografia em encostas ou inclinações para controlar a erosão. Com a recuperação das propriedades microbianas do solo, além do importante papel de manutenção da biodiversidade, a produtividade melhora, contribuindo com a produção agropecuária sustentável. Esses são os resultados apontados em pesquisa publicada no Journal of Environmental Management por um grupo de cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e das federais do Piauí (UFPI), do Ceará (UFC) e do agreste de Pernambuco (Ufape).
Os pesquisadores fizeram revisão de 18 estudos desenvolvidos no semiárido, concentrados na Caatinga. No Brasil, 16% do território é suscetível à desertificação. São mais de 1,4 mil municípios (de um total de 5.570), distribuídos nos nove Estados da Região Nordeste. Englobam cerca de 35 milhões de brasileiros. Além disso, a biodiversidade da Caatinga é variada, composta de quase 600 espécies de aves, 240 de peixes, mais de 170 de mamíferos, entre outras. No bioma, os agricultores familiares estão entre os mais expostos ao risco climático, e as cidades onde se concentram tiveram perdas de produção nas últimas três décadas. Segundo estudo do Climate Policy Initiative da Pontifícia Universidade Católica do Rio (CPI/PUC-Rio), o aumento da seca na Caatinga provoca queda maior na produtividade do feijão (16%) e do milho (35%), por exemplo, em comparação com os demais biomas (6% e 16%, respectivamente). No caso da pecuária, a queda de 9% na produtividade na região se contrapõe ao aumento de 1% nos outros biomas.
A pesquisa buscou entender o microbioma e suas funções para, a partir daí, enxergar ferramentas que auxiliem a recuperação de áreas degradadas no semiárido. As técnicas de restauração têm feito com que a biodiversidade microbiana volte e, consequentemente, haja a retomada de funções e serviços ecossistêmicos mais similares ao que eram naturalmente, explica o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP. O microbioma é a coleção de todos os microrganismos, seus materiais genéticos, funções e relação com o ambiente. Inclui bactérias, fungos, arqueias, protistas e vírus que vivem no solo. Desempenha importante papel na ciclagem de nutrientes, na decomposição de matéria orgânica, além de estar ligado à emissão de gases de efeito estufa e correlacionado à saúde do solo, refletindo, assim, nas plantas. Alguns microrganismos envolvidos em formação e estabilização de matéria orgânica rica em carbono contribuem para o sequestro do gás e ajudam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
Compreendendo como alguns microrganismos vivem e contribuem para o crescimento de plantas em área seca, é possível descobrir novos inoculantes para o desenvolvimento de vegetação nessas regiões. Por isso, entender como as técnicas de restauração mexem com o microbioma permite não só compreender como está a qualidade da terra, mas também como reduzir o uso de insumos artificiais e melhorar a agricultura por meio do potencial biotecnológico. A produção agropecuária sustentável tem ganhado cada vez mais destaque e, neste ano, é um dos focos do grupo de trabalho que tratará de questões ligadas aos sistemas agrícolas no G20. Formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Africana e a União Europeia, o G20 está sob a presidência do Brasil desde o fim do ano passado, e a Cúpula de Líderes será em novembro, no Rio de Janeiro. Para os autores do artigo, os estudos podem fornecer subsídios para orientar a formulação de políticas públicas para o desenvolvimento sustentável e a mitigação de impactos da desertificação.
São iniciativas fundamentais, especialmente ao incorporar o conceito de saúde global, que reconhece a interdependência entre a saúde dos ecossistemas, a diversidade microbiana do solo e o bem-estar humano. Segundo o artigo, a desertificação no semiárido é influenciada por fatores naturais (baixa pluviosidade, altas taxas de evaporação e solos frágeis) e atividade humana insustentável, como criação de gado ou uso para agricultura sem o manejo adequado. O estudo é importante porque mostra o efeito negativo da desertificação e indica práticas efetivas de restauração para recuperação da diversidade microbiana no solo. Adotando técnicas moleculares, foi possível monitorar e avaliar o impacto dos esforços de restauração para o microbioma do solo. Nas áreas em que houve a cobertura com nova vegetação, foram usados o cânhamo (Crotalaria juncea) e o capim-mombaça (Panicum maximum), planta de origem africana, disseminada nas regiões tropicais e subtropicais, com alta produtividade de massa verde por hectare e elevado teor de proteína bruta, o que o torna alimento de qualidade para o gado. Com cobertura das plantas, que muda a química do solo, houve melhora na pastagem, podendo ampliar a quantidade de cabeças de gado por hectare.
Já as áreas de terracing ajudaram a controlar a erosão, conservar a água e facilitar a agricultura. A restauração das propriedades microbianas do solo é um processo complexo e demorado, exigindo compromisso e monitoramento de longo prazo. Outro trabalho foi publicado em janeiro na revista Plant and Soil, sobre a necessidade de adotar técnicas de restauração de ecossistemas que integrem abordagens biológicas com variáveis ambientais, propriedades de ecossistemas, condições climáticas e tipos de solo. Liderado pela Western Sydney University (Austrália), e com olhar global, o estudo propõe que, para apoiar essa abordagem, haja a integração de novas ferramentas computacionais e de satélite com potencial para facilitar a implementação da gestão, do monitoramento e da restauração de ecossistemas. Os próximos passos serão dados com o projeto interinstitucional Caatinga Microbiome Initiative (CMI), criado em 2022, que envolve mais de 20 pesquisadores do Brasil e do exterior para estudar o microbioma da Caatinga. Sabe-se muito pouco sobre o papel do microbioma de solos da Caatinga. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.