15/Aug/2024
Três associações de embarcadores, ou seja, não os concessionários nem os prestadores de serviços, organizaram um seminário para apresentar a visão dos usuários sobre a competitividade da logística brasileira. Propositadamente, os painéis e palestrantes foram estimulados a analisar a logística brasileira na visão da demanda, e não da oferta. Há muitos eventos de concessionários e prestadores de serviço nos quais a visão fica restrita ao lado da oferta, sem preocupações em avaliar os resultados e benefícios ao cliente. Por isso, os clientes, Abiove, Acebra e Anut, resolveram expor sua visão no evento "Agenda 2030: Desafios da Logística Brasileira para a Competitividade Internacional". Os temas centrais foram: déficit de armazenagem para granéis agropecuários, acessos rodoferroviários a portos e modais de transporte: hidrovias, rodovias e ferrovias. No evento foi lida uma carta com as macro prioridades para os usuários, batizada de Carta Brasil 2030.
Fora os direcionamentos trazidos pelo manifesto, os debates revelaram os seguintes pontos importantes. Inegável que ficou uma sensação no ar de que sabemos o que fazer, mas nem sempre como fazer. Apenas saber o que fazer resulta em obras paradas ou nem iniciadas. Executar em linha com o que foi planejado foi outra lacuna colocada no seminário. Por conta da característica dos governos brasileiros de anunciarem grandes oportunidades em investimentos em logística, substituímos o planejamento por anúncios e a execução acontece, por vezes, sem aderência ao planejado. Diante da crítica, as agências reguladoras participantes do evento se defenderam enfatizando que o que é atribuição delas, há planejamento e execução em linha com o planejado. Mas na esfera de quem faz a política, ou seja, os ministérios, a lacuna é clara. Associada a esse tema, foi colocado o ponto da avaliação dos projetos. O Brasil não tem tradição de avaliar a execução visando aprimorar processos para iniciativas futuras.
Último ponto de caráter amplo colocado é a questão do sigilo. Foi questionado por que estão aumentando os processos, por exemplo de revisão de contratos de concessionárias, que correm em sigilo impedindo ao usuário acompanhar de forma transparente o processo. Entrando nos temas específicos, foi feito o diagnóstico do déficit de armazenagem de granéis agrícolas. Foi enfatizado aquilo que todos sabemos: a produção agrícola cresce mais rápido do que a capacidade de armazenagem e, mesmo assim, o apetite dos produtores rurais, cooperativas, cerealistas, revendas e tradings para aumentar capacidade de armazenagem é limitada. O fato é que o retorno financeiro do serviço de armazenagem é muito baixo e os agentes que deveriam investir em novos armazéns preferem usar seu capital para produzir, comprar e movimentar grãos, investindo em armazenagem no limite da sua necessidade. O debate não trouxe ideias inovadoras para estimular maiores investimentos em armazenagem.
A solução trazida no evento é que é preciso recursos a custos baratos, sendo o crédito rural oficial a resposta mais óbvia, para esse estímulo. O debate sobre hidrovias foi centrado nas oportunidades relacionadas à concessão. Todos os participantes do painel indicaram a necessidade de se colocar de pé um modelo que viabilize investimentos privados. A percepção é que os investimentos feitos com recursos do governo federal em hidrovias, se tivessem sido feitos pelo setor privado, teriam tido resultado mais expressivo em capacidade de navegabilidade, ou seja, os investimentos privados vão colocar mais quilômetros disponíveis à navegação de interior. Essa percepção, desde que com um formato de modicidade tarifária que não onere os usuários da hidrovia, justifica a concessão para operação privada. Ainda sobre a modicidade, além da ênfase de que ela é um princípio legal a ser seguido pela agência reguladora, é preciso ter em conta o custo da ineficiência, tais como limitações à navegação em horários noturnos.
O estudo da concessão do Rio Madeira vai trazer essa análise e ele deverá mostrar que o valor recomendado da tarifa será 6 vezes menor do que o custo da ineficiência. Por fim, em hidrovias se falou sobre a necessidade de o setor privado fazer um trabalho organizado de comunicação enfatizando os benefícios que elas trazem para o meio ambiente. Foi reforçado que ainda há muita desinformação sobre a relação entre meio ambiente, de forma ampla, e hidrovias. No debate sobre ferrovias, dois pontos interessantes foram trazidos. O primeiro é que os corredores de exportação são bem atendidos com ferrovias, mas as concessionárias não privilegiam as linhas férreas que atendem rotas de mercado interno. Assim, há sub-operação e nenhum investimento nas ferrovias voltadas para mercado interno. Dado que essas rotas são, por consequência, atendidas pelas rodovias, foi trazida a preocupação de que se o Brasil crescer, vão ocorrer gargalos nas rodovias porque há nelas sub-investimento, sobretudo do governo federal. É preciso, portanto, viabilizar o uso das ferrovias que atendem mercado interno.
O segundo ponto foi o monopólio das concessionárias de ferrovias. A visão trazida é que o monopólio existe nas questões que afetam a via permanente (linha férrea), mas não na prestação de serviço. A ideia proposta foi de estimular a competição na prestação de serviço que, embora seja hoje um monopólio de fato, não é do ponto de vista da legislação. Nesse quesito, falta um arcabouço regulatório que estimule terceiros a prestar serviço nas ferrovias concedidas e viabilize a operação por terceiros, em eficiência comparada à eficiência da concessionária. A aspiração é fazer uma ferrovia funcionar como funciona, guardadas as proporções, uma rodovia. Foi proposto investir nesse modelo de competição porque ele não custa investimento e não depende de construção de novas ferrovias. Ou seja, trata-se de ação que pode trazer resultados em curto prazo. Na discussão sobre rodovias, vários números interessantes foram mencionados. Em 2023, o setor primário movimentou ao redor de 320 milhões de toneladas, utilizando entre 250 e 300 mil carretas.
Essas carretas passaram por 25 mil Km de rodovias não concessionadas, portanto sob responsabilidade do governo federal, e 16 mil Km de estradas concessionadas. A análise do programa de investimentos, tanto do governo federal, como das concessionárias, demonstra que há pouco recurso para obras que aumentem a produtividade das rodovias, tais como duplicação, transposição urbana e gargalos na chegada aos portos, gerando ineficiência de 40% nas carretas. Quando se cruza essa realidade com as projeções de crescimento do setor primário, que deverá chegar a 450 milhões de toneladas em 2030 de movimentação, com a atual ineficiência, nota-se que será necessário enorme crescimento da frota de caminhões. Boa parte desse incremento na movimentação poderia, reduzindo as ineficiências, aproveitar a frota já existente sem necessidade de colocar mais caminhão para rodar, apenas renovando os mais antigos.
Para atender o crescimento da movimentação do setor primário, são necessários ao redor de R$ 90 bilhões para duplicações e melhoria da malha rodoviária, para evitar riscos de apagão logístico. Nessa linha de raciocínio foi feita crítica ao PAC 3, em vigência, de que diferentemente dos dois PACs anteriores, o atual não traz as soluções orçamentárias e de financiamento destes investimentos. O evento demonstrou que é preciso fugir da generalidade e analisar a logística de forma específica e precisa para que as soluções para os gargalos que prejudicam os usuários sejam resolvidas. No geral, o Brasil sempre parece um país de grandes oportunidades. Mas os usuários buscam soluções que reduzam custos, eliminem ineficiências e aumentam a produtividade dos modais de transporte. Fonte: André Meloni Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Broadcast Agro.