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11/Nov/2021

Biodiesel: governo federal está engessando setor

A ANP publicou a Resolução nº 857/2021, que define as regras do funcionamento do mercado de venda direta de biodiesel, após o fim dos leilões públicos. Isso quer dizer que a partir de 1º de janeiro de 2022 começa um novo modelo de comercialização para o biocombustível. A Abiove protocolou contribuições na fase de consultas e audiência públicas sobre o desastre das regras e se manifestou, logo após a publicação, reafirmando seus efeitos danosos. Reafirmo e explico por que as regras são desastrosas. Ao formular as novas diretrizes, a ANP se preocupou com apenas duas variáveis: como obrigar produtores de biodiesel a vender (consequentemente, produzir) e como obrigar distribuidores de combustível a comprar biodiesel. Só que o distribuidor já é obrigado a comprar biodiesel, uma vez que a demanda é definida pelo seu teor obrigatório no diesel rodoviário.

Além disso, o distribuidor tem na natureza do negócio muito mais flexibilidade do que uma indústria que precisa originar matérias-primas e insumos meses antes e rodar todos os processos industriais para, finalmente, ter o produto disponível e produzido. Afinal de contas, os distribuidores dispõem de um conjunto de 45 usinas em atividade, com ampla diversidade geográfica, de matérias-primas e baixa concentração industrial, o que lhes dá ampla disponibilidade de produto. A novidade desastrosa está na obrigatoriedade de o produtor de biodiesel ter que produzir e vender uma cota determinada pela ANP, ou seja, é a Agência definindo quanto cada usina precisa produzir e vender bimestralmente. Pior: é a ANP impondo o quanto cada processadora de soja terá que processar para ter óleo disponível para a indústria de biodiesel. É o cachorro sendo balançado pelo rabo! Na prática, não está ocorrendo uma desregulamentação no mercado de biodiesel.

A ANP está autorizando a venda direta para as distribuidoras, mas o volume a ser vendido está sob metas individuais. Se o produtor não cumprir a sua, é penalizado. Não se trata de mercado livre e desregulamentado, mas de mercado de venda direta tutelado pela ANP. A Agência simplesmente se esqueceu da liberdade econômica! Quer ser um produtor de biodiesel? Pode ser, mas você não tem liberdade para produzir e vender o volume que quiser. Para acessar o mercado livre, tem que vender um mínimo determinado por uma agência governamental, sendo esse mínimo a quase totalidade da capacidade de produção. A meta contratada de biodiesel é assim definida: cada usina de biodiesel precisa comprovar por meio de contratos com distribuidores que vai, no bimestre vindouro, vender 80% do volume que vendeu no mesmo bimestre do ano anterior.

Ou seja, o produtor tem (I) uma meta de venda - 80% do volume do mesmo bimestre do ano anterior, percentual cujo racional não foi explicado - que ele precisa cumprir; e (II) essa venda tem que ser feita na forma de contratos de pelo menos dois meses. Não basta ser obrigado a vender um certo volume, tem que vender comprovando e homologando os contratos que atestam que a venda será feita. O produtor de biodiesel foi engessado pela ANP e tem liberdade para decidir seu nível de produção e de comercialização apenas no volume acima da meta (lembrando, 80% do volume do mesmo bimestre do ano anterior). Até esse volume, o produtor não pode escolher, tem que produzir, fazer contratos e vender. Se o produtor vender, no bimestre, quantidade de biodiesel abaixo dos 80% ou tiver menos do que 80% vendido sob contratos, ele perde o direito de comercializar no mercado à vista (spot) no próximo bimestre, sendo obrigado a produzir, nem mais nem menos, a meta ANP.

E se o produtor reduzir seu nível de produção por casos fortuitos (manutenção nas usinas) ou força maior (eventos fora do controle do produtor), ele é punido sem dó. Claramente uma penalidade abusiva. E se muitos produtores de biodiesel não cumprirem a meta, a ANP tem prazo para informar o CNPE para reduzir a mistura (10 dias até o novo bimestre se iniciar). Na prática, são duas punições: a individual, que é ficar fora do mercado spot, e a coletiva, que é ter a ameaça da redução da mistura permanentemente sob nossas cabeças. O racional da ANP para criar essa meta contratada foi baseado em duas percepções que contaminaram a Agência: um comando forte vindo do governo federal de que a venda direta precisa fazer o preço do biodiesel cair e um conservadorismo extremado de que a venda direta não pode colocar em risco o abastecimento de combustível.

A resultante deste racional é obrigar o produtor de biodiesel a produzir e vender um volume elevado da sua capacidade no mercado mandatório, o que vai levá-lo a entrar em uma concorrência predatória com queda de preços para assegurar que alcance suas metas. Assim, garante-se volume de biodiesel em excesso ao teor de mistura vigente e reduz-se os preços, acabando com as margens do negócio. Para se ter uma ideia, a capacidade de produção de biodiesel hoje é de 12 bilhões de litros, sendo que 80% disso é 11,7% mais alto do que a demanda de B13 (8,6 bilhões de litros). Imagina a destruição de valor nos produtores de biodiesel que esse modelo vai gerar se entrarmos em janeiro com B10, especialmente tendo em vista que o setor comprador é altamente concentrado em apenas três empresas com mais de 70% do mercado (fato ignorado pela ANP). Do ponto de vista das usinas, o risco diante das novas regras é muito elevado.

Mas, a aversão a esta ameaça deverá variar entre os produtores, sendo os dedicados ao biodiesel forçados a correr o risco, e os verticalizados tendo que fazer conta do custo de oportunidade do uso do óleo vegetal produzido. Portanto, mais uma consequência impensada pela arbitrariedade da ANP. A entrada em vigor do sistema de venda direta com meta contratada não será boa para os produtores, e arrisco dizer que também não trará benefícios para o País. A ANP precisa revisar essa obrigatoriedade acabando o mais rápido possível com a meta de 80%, além de outras arbitrariedades, como a exigência de contratos mínimos de dois meses. Se a Agência não der mais liberdade para os produtores de biodiesel, ela vai matar a galinha dos ovos de ouro. Fonte: André Nassar. Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). Agência Estado.