31/Oct/2025
Segundo o economista Fred Gale, que atuou por 37 anos no Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), o encarecimento da soja brasileira e as margens negativas das esmagadoras chinesas começam a expor fissuras na relação comercial entre os dois países e podem reabrir espaço para os Estados Unidos. Os compradores chineses mostram sinais de angústia enquanto acumulam perdas financeiras. Embora o discurso oficial ainda sustente que a China consegue se abastecer majoritariamente com soja da América do Sul, os sinais de desconforto entre importadores se multiplicaram nas últimas semanas. A China depende de embarques do Brasil para algo entre 80% e 90% de suas necessidades desde maio, mas o custo dessa soja reduziu as margens de esmagamento (processamento em farelo e óleo) a níveis negativos há vários meses.
Os compradores estão acumulando prejuízos e observando com atenção a soja norte-americana, que hoje é substancialmente mais barata que a brasileira. Dados do setor mostram que as indústrias chinesas estão operando no vermelho. As esmagadoras trabalham com perda média de aproximadamente 230 yuans por tonelada de soja brasileira para embarques de dezembro, o equivalente a cerca de US$ 32,00 por tonelada. Um balanço divulgado no fim de outubro por um centro oficial de informações de grãos e óleos na China estimou margem negativa ainda maior, de 263 yuans por tonelada. Apesar disso, o volume processado aumentou para 2,37 milhões de toneladas na semana de 24 de outubro, 200 mil toneladas a mais que na semana anterior. Ou seja: mesmo perdendo dinheiro, as fábricas continuam moendo soja para atender a demanda de ração e óleo. Essa pressão vem também do lado brasileiro.
A alta do Real encareceu a soja cotada em dólar e a disputa interna por grão no Brasil elevou as bases. O preço da soja brasileira subiu cerca de 17% entre março e setembro. Esse movimento criou algo raro: a soja do Brasil ficou mais cara que a dos Estados Unidos. O prêmio de exportação do Brasil sobre os Estados Unidos chegou a 11%, algo incomum, e forçou os chineses a oferecerem preços ainda maiores para atrair embarques. O problema é que essa conta começa a não fechar na China. As compras para os próximos meses praticamente travaram. Até meados de outubro, as tradings chinesas tinham garantido 5,26 milhões de toneladas para embarques em novembro, o equivalente a 88% da necessidade estimada para aquele mês. Para dezembro, o volume cai para 726 mil toneladas, cerca de 16% da necessidade. Para janeiro, não havia contratos fechados.
As projeções indicam um déficit de 8 a 9 milhões de toneladas no primeiro trimestre de 2026. A tensão comercial também já aparece no discurso. Texto publicado em 25 de outubro em portais chineses acusa exportadores brasileiros de “aumentar preços de forma oportunista”. O relato diz que tradings da China teriam adiado algo como 8 milhões de toneladas em compras e deixado cerca de 2 milhões de toneladas de soja parada em portos no estado de São Paulo. A mesma versão afirma que a China pressionou o governo argentino a suspender temporariamente o imposto de exportação sobre soja, o que abriu uma janela curta de compras emergenciais da Argentina. Os comentários nas redes sociais chinesas mostram que a relação China-Brasil não é “tão harmoniosa quanto parece”. Usuários chamaram o Brasil de “ingrato” e “imprudente” por elevar preços. Esse quadro interno pode reabrir espaço para a soja dos Estados Unidos após o encontro entre Donald Trump e Xi Jinping.
Nesta semana, a China comprou 180 mil toneladas de soja norte-americana, movimento visto como gesto político de boa vontade. A leitura é que a China pode autorizar novas compras pontuais nos Estados Unidos para aliviar o custo das esmagadoras chinesas no curto prazo. Mesmo que o Brasil caminhe para uma nova safra grande a partir de janeiro, isso não resolve o aperto imediato. Historicamente, os embarques da nova safra brasileira só começam a chegar em volume na China a partir do segundo trimestre. Até lá, o risco é de aperto físico entre dezembro e março. Os estoques estão baixos e o país pode enfrentar um período de aperto na virada do ano. A decisão política de evitar soja norte-americana tem custo interno. Os compradores chineses estão pagando caro pela estratégia de evitar os Estados Unidos. As perdas das esmagadoras e a alta nos preços brasileiros mostram que a política comercial pode estar perto de um ponto de inflexão. Fonte: Broadcast Agro. Adaptado por Cogo Inteligência em Agronegócio.